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31 julho 2019 | 10h00

'Educação é a principal alavanca de ascensão social no país'

Desde garoto, Cosme sonha em acabar com a desigualdade. Hoje, é analista na Fundação Lemann e busca aumentar seu impacto cada vez mais

O maior sonho da Fundação Lemann é ajudar a tornar o Brasil um país mais justo para todas as pessoas. Cosme Bispo, um carioca de 27 anos de idade, foi estudar economia para entender o que é possível fazer para acabar com o círculo vicioso das desigualdades. Ele — assim como nós — descobriu que a educação é o segredo para o sucesso.

Abaixo, leia a história de vida dele!

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Oi! Meu nome é Cosme Bispo, tenho 27 anos e sou do Rio de Janeiro. Nasci em uma comunidade carente. A família do meu pai ainda mora por lá, no Morro do Turano, na Tijuca. Eu sempre gostei de estudar, mas minha mãe, que é pedagoga, também fez muita questão de acompanhar de perto o nosso [dele e do irmão] desenvolvimento escolar.

Minha mãe se formou em 1992, quando estava grávida de mim. Na foto da colação de grau, ela está comigo nos braços. Ela cuidou da nossa formação e, depois que a gente já estava crescido, foi para o mercado. Estudei em escolas particulares por muito tempo como bolsista por pedidos da minha mãe e, depois, por mérito estudantil mesmo. Durante um ano do Ensino Fundamental, fui para a rede pública. Mas, no geral, estudei em colégios particulares de bairro, pequenos.

Cosme e sua mãe
Cosme e sua mãe, que se formou em pedagogia
Fonte: Arquivo pessoal.

No Ensino Médio, entrei para o Colégio Pedro II, uma instituição federal de 182 anos, bem famosa, grande. É uma escola que dá uma formação cidadã forte e tem o olhar bastante voltado para as habilidades humanas. Participei do grêmio, do conselho de classe. Fui representante de turma durante os três anos em que estudei lá. Era interessante o papel participativo que os alunos tinham na escola. A gente tinha poder e, também, responsabilidades.

Status de Desigualdade

Cursei economia no Ibmec com bolsa do Prouni. Mas cheguei a passar em várias outras faculdades, como UERJ, UFRJ, Unirio e FGV. Desde pequeno gosto de matemática, história e geografia. Em algum momento, pensei em ser jornalista e desisti. Na época da escola, eu já tinha muita clareza sobre o desejo de estudar a desigualdade social. Esse interesse surgiu porque sempre me reconheci vivendo em um status de desigualdade. Eu queria entender como as desigualdades são formadas e o que é preciso para diminuir esse círculo vicioso. E aí calhou de matemática, história e geografia serem as matérias mais relevantes para passar em economia no vestibular.

Moro em São Paulo há um ano e sete meses. Vim para trabalhar na Fundação Lemann como analista de projetos da área de parcerias. Minha ligação com a Fundação é engraçada porque conheci a organização por meio de um parceiro, a Fundação Estudar. Fiz vários cursos da Estudar: de desenvolvimento pessoal, autoconhecimento, liderança. Em uma dessas formações, passamos três dias discutindo e visitando organizações e empresas do ramo educacional. E uma pessoa da Fundação Lemann foi falar sobre projetos. Eu fazia estágio e estava um pouco insatisfeito profissionalmente. Quando soube de uma vaga na Fundação Lemann, me inscrevi. Participei de dois processos. Não consegui passar na primeira vez, mas na segunda rolou e cá estou.

Cosme com seu time na equipe Fundação Lemann
Cosme com seu time na equipe Fundação Lemann
Fonte: Arquivo pessoal.

Trio de Sucesso: Projetos sociais, esporte e estudo

Mas até chegar aqui, fiz muita coisa. Na época do Pedro ll, ainda no Ensino Médio, fundei e presidi uma miniempresa estudantil chamada ECOstura, que desenvolvia ecobags sustentáveis. Era um projeto bem bacana desenvolvido e acompanhado pela ONG Junior Achievement. Toda a proposta da ECOstura, que eu tocava com alguns colegas, foi idealizada e construída por estudantes com o apoio da escola.

Colegas de Cosme da época do Colégio Pedro II
Colegas de Cosme da época do Colégio Pedro II
Fonte: Arquivo pessoal.

No Ibmec, fundei dois projetos. O Idea, consultoria econômica para pequenos e microempresários de comunidades carentes do Rio de Janeiro que não eram atendidos por nenhum player do mercado. Foi ótimo, uma oportunidade muito rica. Também teve o De Olho na Pressão, projeto voltado à promoção da educação na área da saúde. O objetivo, inicialmente, era medir diabetes e pressão arterial de pessoas que viviam em comunidades sem postos de saúde. Depois, o trabalho foi avançando para a apresentação de práticas para uma alimentação saudável. Tinha uma pegada de bem-estar também. 

Além disso, participei de um núcleo da Fundação Estudar que produzia eventos colaborativos para os membros da rede. Criamos grupos de interesse para discutir temáticas diferentes, como mercado financeiro, consultoria, saúde. Ou seja, temas que a rede demandava e que eram debatidos com expoentes dessas áreas. Convidamos desde figuras políticas a digital influencers para conversar. Foi uma oportunidade para conhecer muita gente bacana, tanto da rede quanto dessas lideranças.

O estudo sempre fez parte da minha realidade por causa da minha mãe. E, também, porque eu sempre tive muito desejo de ascender. Reconheço da onde eu vim, mas sempre tive muito claro que a educação é a principal alavanca de ascensão social no país.

Em algum momento, tentei o futebol. Fui federado de futsal durante dez anos, dos 6 aos 16. Eu era goleiro e cheguei a ter algum sucesso. O esporte era legal, dava disciplina. Porém, a atividade se tornou conflituosa com a minha graduação. Ou eu estudava ou seguia para um caminho profissional no futsal. Optei pelo estudo. Acho que até teria algum êxito na área, mas o mercado do futebol é bastante restrito. Nunca pensei em desistir de estudar. Jamais, em tempo nenhum.

Preconceito

O preconceito é diário dentro de vários lugares. Hoje, estou no primeiro espaço de trabalho, de experiência profissional, em que tenho a certeza de que posso ser, de fato, quem eu sou. Vim para São Paulo e deixei meu cabelo crescer, comecei a usar roupa social apenas quando necessário, deixei meu black power à mostra. Está sendo uma transformação para mim, até mesmo o modo como encaro desafios. Também faço terapia, o que me ajuda a ressignificar uma série de questões. A pessoa preta, no Brasil, já sofreu preconceito em algum momento. Se ela diz que nunca sofreu é porque, possivelmente, optou por não enxergar isso para se colocar em uma situação de conforto, o que respeito e entendo, mas acredito que, cedo ou tarde, essa conta chega. Eu já sofri preconceito em vários espaços. Em alguns momentos, dói muito, você fica mal e passa a questionar uma série de pontos. Ao mesmo tempo, você fica calejado.

O caos faz a gente se desenvolver. Ele nos ajuda a ter cancha, experiência e vitalidade para aguentar as porradas que a vida dá. Porque a vida vai dar porrada. O segredo está em como você responde a elas. Ao mesmo tempo, é importante sermos razoáveis de que essas mesmas questões nos forçam a realizar o dobro do trabalho para podermos nos tornar relevantes nos espaços, o que também nos ajuda a ganhar essa experiência. E quando essa experiência apoia seu progresso e ascensão, acho importante trabalharmos juntos pela desmistificação da jornada do herói, de que "se o fulano conseguiu fazer algo, por que você não vai fazer também?" Ela é deletéria e só reforça o status quo da desigualdade. É uma grande falácia tornar a exceção uma regra.

Cosme na Formatura no Ibmec com seus pais e irmão
Cosme na Formatura no Ibmec com seus pais e irmão
Fonte: Arquivo pessoal.

Meu conselho é nunca pare de estudar, nunca, mesmo que pareça difícil, mesmo que pareça inacessível. Esse é o recado que eu dou às pessoas mais jovens. Tenho plena certeza de que, não fosse a educação, eu não estaria no lugar onde estou nesse momento. Também é legal se cercar de gente inspiradora, de mentores. Estar perto de gente que pode não ter trilhado exatamente o caminho que você quer trilhar, mas que já passou por muitas experiências é ótimo. Outras dicas são: ter bons exemplos, ser uma pessoa melhor, fazer o bem, ajudar a desenvolver outras pessoas, compartilhar conhecimento. Se eu pudesse falar com o moleque de 20 anos atrás, eu diria:

‘Cosme, nunca pare de estudar. Possivelmente, você vai ter que gastar mais sola de sapato, vai ter que progredir mais, vai ter que trilhar um caminho diferente porque você tem um ponto de partida diferente, mas, mais do que isso, olhe sempre o copo meio cheio.’

Tento enxergar a minha vida pelo lado do copo meio cheio. Gosto mais de olhar para as oportunidades e para as possibilidades que tive, que a minha família me deu. É um olhar mais gentil. As experiências que você se coloca é que te fazem ser uma pessoa melhor, mais madura e resiliente aos desafios que a vida vai colocar ao longo do caminho. 

Agora, se eu precisasse falar algo para o Cosme do futuro, diria: ‘Cara, continue entregando as coisas, construindo experiências, ajudando os outros. Continue sendo uma pessoa honesta, sincera e transparente que você vai conseguir se tornar uma liderança, independente do lugar que você esteja.

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