‘As oportunidades que tive vieram pela educação’
Desde a infância, Ernesto Faria é apaixonado por matemática. Hoje, lidera o Iede, centro de pesquisas que traz à luz números relacionados à educação
Oi, eu sou o Ernesto Martins Faria, tenho 32 anos, nasci em Campos do Jordão e, hoje, moro em São Paulo. Estudei boa parte da vida na rede pública. Cursei o Fundamental l em Ubatuba, numa escola mais ou menos boa. No Fundamental ll, fui para Taubaté, onde estudei em uma escola mais fraca. Já no Ensino Médio, passei no processo seletivo do Colégio Embraer, uma instituição privada de São José dos Campos que oferece bolsa e transporte para alunos egressos da rede pública.
Eu sempre gostei de estudar, muito porque minha mãe sempre deu bastante valor à educação e, desde cedo, começou a me ensinar matemática. Ela tem Ensino Superior, e é funcionária pública aposentada da Previdência Social. Mesmo antes do Fundamental l, ela já brincava comigo de ficar multiplicando tudo por 2. Meu pai, que cursou até a sexta série e é motorista, usava essa minha habilidade com os números para me exibir para familiares e vizinhos. E foi assim que eu peguei gosto pela matemática e pelos estudos.
No começo do Fundamental ll, quando nos mudamos para Taubaté, foi chocante porque o clima da escola era hostil. A primeira semana de aula foi bem impactante para mim porque havia muita indisciplina, desordem, muito bullying. E eu tive que me acostumar com aquilo. É impressionante o quanto a gente se acostuma rápido a essas situações; normalizamos situações que deveriam ser inaceitáveis, naturalizamos o bullying, aprendemos a conviver com ele. Ali, não era difícil ser um dos melhores alunos da sala porque era um ambiente de pouca cobrança, de baixa expectativa.
Profs especiais!
Apesar disso, alguns professores conseguiram fazer muita diferença. Lembro de um professor de português, o Amaury, que cobrava bastante a turma, era rígido, fazia chamada oral, o que nos obrigava a estudar porque você não sabia se seria sorteado para responder a alguma pergunta na frente da classe toda. Tive ainda uma professora de matemática muito boa que me indicou para fazer a prova da Embraer e me apresentou a Olimpíada de Matemática. Participei da competição, não fui medalhista, mas fui até a fase final. O bom do concurso, fora o lado do engajamento pela matemática, é que a Olimpíada torna mais transparente os gargalos de conhecimento, ela deixa visível que o seu colégio talvez não esteja ensinando tudo o que deveria.
Ensino Médio: época desafiadora
O Colégio Embraer exigia muito mais de mim. A escola era em tempo integral e todo mundo ali era um dos melhores alunos da sua escola pública. Foram três anos desafiadores para mim. Aquele ambiente me deu a disciplina necessária para eu conseguir passar no vestibular.
A matemática na faculdade, na profissão, na vida
Na época do vestibular, eu não tinha uma noção tão clara do que um economista faz. Mas eu pensava que para minha mãe seria inaceitável eu não fazer faculdade em uma área ligada à matemática. Não havia uma pressão, mas eu tinha essa percepção. E eu sentia que se tentasse engenharia ou arquitetura, por exemplo, eu talvez não tivesse algumas habilidades importantes para essas duas profissões. Mas como economista eu me via porque sabia que conseguiria aproveitar o conhecimento que eu tinha em matemática.
Do fim do Ensino Médio, em 2004, fui direto para a faculdade. Cursei ciências econômicas no Insper, que tinha uma parceria com o Colégio Embraer. Estudei graças a uma bolsa integral, fruto desse convênio entre as duas instituições.
Na faculdade, eu gostava muito de pesquisa, de estatística, de analisar dados. O meu primeiro estágio foi em pesquisa no Instituto Futuro Brasil, que trabalhava com educação e segurança pública. Eu sabia que queria trabalhar com pesquisa, mas o contato com a educação foi acontecendo. Em 2009, fui chamado para trabalhar no Todos pela Educação e, a partir daí, a educação não saiu mais da minha vida.
Fundação Lemann
No ano de 2012, fui trabalhar na Fundação Lemann, onde estruturei e liderei a área de pesquisa. Foi uma experiência incrível pelo tamanho do impacto que a organização gera. Durante os anos em que passei por lá, até agosto de 2017, fizemos uma série de estudos sobre ativar escolas que tinham bons resultados com alunos de baixa renda. Produzimos vídeos que atingiram milhões de pessoas.
Na Fundação Lemann, você não faz pesquisas para 50 pesquisadores lerem. Você consegue levar os resultados das pesquisas para gestores, professores. Os dados chegam a quem, de fato, precisa, que é quem está na ponta.
Foi também na Fundação, onde eu comecei a ir mais a campo para entender o que as escolas que tinham bons resultados faziam para alcançar esse desempenho, qual era o contexto delas, quais eram os desafios. Faz bastante diferença não ficar só na análise de dados e ir para a ponta. É importante vivenciar a rotina de uma escola. Era muito bacana a conexão de dado e evidência com a prática, com a ponta; a pesquisa qualitativa, o diálogo com os professores e com os alunos. Eu não ficava apenas olhando os dados estatísticos do computador, mas saía do escritório para tentar entender as diferentes realidades escolares.
O nascimento do Iede
Passei no doutorado na Universidade de Coimbra, Portugal, em 2017, para estudar organização do ensino, aprendizagem e formação de professores. Por isso, eu queria começar a trabalhar em algum projeto que me desse mais flexibilidade, que eu pudesse tocar à distância. No passado, eu já tinha criado um blog, o Estudando Educação, que levava dados para jornalistas com o intuito de disseminar informações e auxiliar um debate mais qualificado em torno da educação.
Então, naquele momento, eu pensei em retomar a ideia do blog, mas de maneira mais estruturada. Como eu já tinha um networking maior consegui ter algumas pessoas comigo. Gente boa em pesquisa, profissionais bons em comunicação, e começamos a desenhar o projeto. Depois de um tempo, o Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) nasceu.
O objetivo do Iede é levar mais dados e pesquisas para o debate educacional. A gente tem três agendas em relação às pesquisas que produzimos: mapear boas-práticas; diagnosticar as desigualdades educacionais do Brasil e melhorar a qualidade dos indicadores. Em nossas pesquisas, fazemos tanto avaliações qualitativas como quantitativas. Grande parte dos estudos visam o impacto no debate público de educação, por isso fazemos parcerias com veículos de imprensa para a disseminação deles. Com isso, conseguimos fazer com que as evidências cheguem a mais tomadores de decisão de política pública em educação, e para os profissionais que estão na ponta nas escolas.
O poder da educação
Não há nada que possa gerar mais ascensão social e crescimento quanto a educação. Portanto, não há desculpa para não investir em educação. As oportunidades que eu tive lá trás —e também as que tenho hoje— vieram todas por meio da educação. Eu nunca tinha viajado de avião até os 22 anos de idade, por exemplo. O estudo gera oportunidades, tanto de conhecimento, de repertório, de networking com pessoas incríveis, mas também de ascensão social. A educação traz crescimento econômico, cultural e intelectual.
O que é triste é o quanto as oportunidades variam dependendo de onde nascemos, da condição socioeconômica que temos. Por isso, eu acredito que a educação é um meio de combatermos essas desigualdades que são tão inadmissíveis e que nos chocam menos do que deveriam. Precisamos, de fato, discutir mais a fundo as desigualdades, e olhar e pensar a educação como uma forma de geração de melhores oportunidades e de ascensão social para qualquer um, independentemente de onde a pessoa vem.