Conteudo Cabeçalho Rodape
6 junho 2019 | 10h00

'Para nós, da periferia, educação é a coisa mais importante'

Nós acreditamos em gente como o Jean Vicente, de 18 anos. Um jovem cearense que sempre estudou na rede pública e com o incentivo da mãe e de professores, decidiu que a educação era o único jeito de chegar lá. O lá do Jean é o curso de matemática na Universidade Estadual do Ceará.

Conheça abaixo a história dele:

Meu nome é Jean Vicente de Souza Chaves, sou cearense e acabei de fazer 18 anos. Vivo com a minha irmã mais velha bem na divisa entre as cidades de Fortaleza e Maracanaú. Sempre estudei em colégios da rede pública e, agora, fui aprovado em matemática na UECE, a Universidade Estadual do Ceará. Começo o curso em algumas semanas. Mas o caminho até aqui não foi fácil: eu era um aluno um pouco problemático.

Sempre fui muito danado, agitado, hiperativo. Certa vez, em uma reunião na escola todos os professores falaram mal de mim. Foi aí que minha minha mãe decidiu me tirar de lá e, então, fui estudar no Joaquim Alves; estava no sexto ano. São três quarteirões de distância, só que um colégio fica em Fortaleza e o outro, em Maracanaú. Naquele tempo, tinha havido uma greve em Fortaleza e as escolas de Maracanaú estavam avançadas. Então, eu cheguei no 6º C e a turma estava adiantada. Eu tinha 12 anos e os alunos da sala eram mais velhos, tinham entre 15 e 17 anos. Resultado: o pessoal encarnou em mim. Como cheguei no meio do ano, não fiz tantos amigos. 

No sétimo ano, eu fiz mais amizades, continuei me danando —como acontecia na outra escola— e a situação já estava chegando no limite de novo. Até que chamaram minha mãe para uma reunião com os gestores. Naquele dia, cheguei em casa e fiquei aguardando ela me bater. Eu tinha 14 anos e aquela espera ficou tanto na minha cabeça que perguntei se ela não ia me bater. E ela disse que eu a tinha decepcionado.

Aquele olhar de decepção foi a maior pisa que levei na vida. Fiquei triste mesmo. Depois disso, prometi que ia estudar e, de fato, comecei a me dedicar aos estudos na oitava série.

Eu tinha um professor de matemática chamado Tiago que me incentivava muito, tanto que tenho contato com ele até hoje. Eu era ativo, só que ele dizia: “Jean, você consegue, se você parar, se você se comportar, se você for atrás de aprender, você consegue.” E as minhas notas subiram drasticamente de quatro, três, para nove, dez. Então, eu saí da nona série querendo entrar no IFCE, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará.

Essa história é até um pouco triste. Minha mãe fazia aniversário perto do Dia das Mães e perguntei o que ela queria de presente. Eu já tinha começado a trabalhar. Não ganhava muito, mas fazia uns bicos limpando peças de máquinas e queria presenteá-la. 

Como a gente era pobre, minha mãe não podia me dar nada. Mesmo assim, ela sempre me deu o incentivo para continuar estudando. E, no fim das contas, hoje eu vejo que isso era o principal.

O presente, ela dizia, seria eu passar na prova do IFCE, que tinha duas fases. Eu fiz a primeira e me dei muito bem. De 45 questões, acertei 39. Só que perto da segunda etapa minha mãe faleceu. Ela descobriu que tinha um problema no coração num dia e, no outro, morreu. Eu tinha 15 anos e sempre fui bastante próximo e apegado à minha mãe. Fui estudar por causa dela, porque ela me encorajava. O fato é que fiquei totalmente desestruturado e não consegui entrar no IFCE.

Mãe de Jean faleceu dias antes da segunda fase da prova do IFCE

Assim, saí do nono ano e fui para a E.E.M. Professora Eudes Veras, escola onde a Jani foi minha professora de inglês [ela faz parte da rede Conectando Saberes]. Eu tive um período de revolta, voltei a ser agitado. Porque só comecei a focar nos estudos por causa da minha mãe. Quando tirava um dez, era uma loucura. A gente era pobre, estudávamos na rede pública. Então, quando ela conversava com as amigas, eu via a alegria nos olhos dela de mostrar que o filho tirou dez. Para ela, aquilo era um troféu. Sempre estudei por ela e quando ela faleceu, eu passei um tempo mais triste e isolado dos amigos.

Por isso, peguei uma amizade muito forte com dois professores. Um deles é o Rafael Rabello, que ensinava história e já tinha dado aula para as minhas irmãs [Jean tem duas irmãs mais velhas e um irmão mais novo]. E me lembro que, no primeiro dia de aula, eu estava sentado muito triste e ele pediu para eu me levantar e me deu um abraço. Ele falou: “Cara, você precisa continuar. Você tem que orgulhar ela como você fazia antes.” E ele nem me conhecia, mal sabia o meu nome. Essa atitude do Rafael marcou muito a minha história.

Também me aproximei do João Paulo, o coordenador da escola, que sempre conversava comigo e me incentivava. Quando passei no vestibular, ele foi a primeira pessoa para quem eu contei. Ele ficou mais feliz do que eu e me auxiliou em tudo.

Essa atenção que os professores da escola davam a mim, eles também davam aos outros alunos.

O Eudes Veras tem um ambiente bem familiar. Muitos professores lá encorajam os alunos. O Rafael, nas aulas dele, incentivava muito a gente a entrar na faculdade. Ele sempre falava sobre isso. É um grupo que realmente se preocupa com o futuro dos estudantes.

A educação muda a vida da gente. Eu acho que o grande prêmio do professor é saber que o aluno dele está se dando bem, é saber que o aluno dele foi aprovado no vestibular, é saber que o aluno dele passou em um concurso. Porque ele faz parte daquela história, ele ajudou a pessoa a chegar ali. Eu quero fazer a diferença, como eles fizeram para mim. Quero me formar, dar aula e conseguir ser um profissional como eles.

Jean durante a gravação de um curta na escola

Para nós, que viemos da periferia e não tivemos muitas condições, a educação é a coisa mais importante. É por meio da educação que a gente consegue sonhar e realizar nossos sonhos. Não tem outra forma, não existe maneira mais fácil. Os alunos do Eudes Veras, por exemplo, não têm condições de pagar uma faculdade particular. Então, essa pessoa que entra no vestibular, está realizando um sonho não só dela, mas da família também. Eu sou o primeiro da minha família a entrar na faculdade. 

Quando eu for professor, quero tocar a vida desses caras que, às vezes, se danam, que se comportam mal. Eles têm algum motivo para estar fazendo aquilo ali, para não conseguir se concentrar, para não focar. Quero mostrar que nada é impossível.

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