A armadilha da baixa aprendizagem
Por Daniel de Bonis, diretor de Conhecimento, Dados e Pesquisa da Fundação Lemann
Na superfície, pouco mudou: os dados parecem mostrar uma irritante estabilidade. Dentre os 81 países participantes do Pisa, avaliação internacional de educação cujos dados da edição de 2022 foram divulgados hoje (05/12), o Brasil segue entre aqueles de pior desempenho. 73% dos estudantes brasileiros de 15 anos de idade que fizeram o teste não seriam capazes de converter preços em moedas diferentes a partir de uma taxa cambial, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que atualmente aplica a prova em seus 38 países membros e outros 43, entre eles o Brasil. Resultados tão tristes quanto conhecidos. Caímos alguns pontos em relação a 2018 (5 pontos em Matemática, mais ou menos equivalentes a 3 meses de aprendizado), mas a diferença não é estatisticamente significativa - em termos de tendência, seguimos estagnados há praticamente dez anos, e não só em Matemática, mas em Leitura e Ciências também, que são os demais campos do conhecimento avaliados pelo PISA.
Adiado em razão da pandemia (sua aplicação estava prevista para 2021), o Pisa 2022, do ponto de vista global, chama a atenção à primeira vista pelo tombo que o choque da Covid-19 ocasionou na média dos países da OCDE (15 pontos em Matemática, ou 3/4 de um ano letivo). Mas há nuances neste cenário. Em geral, observa-se a tendência algo contraintuitiva segundo a qual, quando as escolas fecham, sistemas educacionais mais eficazes apresentam maiores quedas de desempenho - onde se aprende pouco, há menos a perder. Isso ajuda a explicar porque a média da Finlândia caiu 23 pontos na prova de Matemática, e a do Brasil apenas 5.
Note-se, entretanto, que há pontos fora dessa curva - em especial, países orientais como Japão, Coreia e Cingapura, onde a performance melhorou entre 2018 e 2022. Mais ainda: a OCDE ressalta que a tendência de queda dos resultados em muitos países europeus, inclusive em países desenvolvidos com bons sistemas educacionais - Bélgica, Holanda, França e Canadá entre eles - precede a pandemia, por razões pouco compreendidas até agora. A própria duração do fechamento das escolas não parece explicar totalmente as diferentes tendências de aumento ou queda.
Há muito ainda a ser explorado nesses dados, e embora correlações simples entre variáveis possivelmente inundem o noticiário nos próximos dias, é duvidoso que ajudem a elucidar o que se passa sem análises mais cuidadosas.
Muito se discute em economia sobre a armadilha do baixo crescimento, entendida como um conjunto de condições estruturais que impediria o crescimento mais veloz do PIB em países de renda média. O Pisa traz luz para uma armadilha talvez ainda mais grave, que é a armadilha da baixa aprendizagem, fruto do nosso descaso secular com o capital humano, que só nos últimos 30 anos começou a ser realmente enfrentado. Não custa lembrar, entretanto, que não se trata de desafio exclusivo do Brasil - se há uma lição em 20 anos de Pisa, é que a educação mundial é desigual e se move lentamente.
Para terminar numa nota de otimismo: somos um país que já se mostrou capaz de melhorar não só o acesso à escola na educação básica, como também a aprendizagem nos anos iniciais, que vem apresentando crescimento real nas avaliações nacionais nas últimas décadas. Se tivermos foco em mobilizar esse know-how para avançar em políticas que sustentem esses resultados nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, nada nos impedirá de reverter esse cruel legado e construir um futuro diferente para as próximas gerações.