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9 setembro 2024 | 00h00

A busca pela equidade na educação

Evento “Diálogos pela Equidade na Educação”, criado em parceria entre Fundação Lemann, Centro Lemann e Insper, aborda as contribuições da pesquisa aplicada nessa discussão

A educação é um direito e, portanto, deve ser acessível e de qualidade para todos. No campo acadêmico, a pesquisa aplicada que foca em equidade tem um enorme potencial de identificar as barreiras que afetam desigualmente os alunos de diferentes origens socioeconômicas, étnicas e culturais. Isso contribui para a criação de políticas e práticas que garantam oportunidades iguais para todas as pessoas. Ou seja, não só melhora o sistema educacional em termos de justiça e inclusão, mas também fortalece o desenvolvimento sustentável.

Com este objetivo, nos dias 22 e 23 de agosto, o Insper recebeu o evento “Diálogos pela Equidade na Educação: contribuições da pesquisa aplicada”, criado em parceria entre Fundação Lemann e o Centro Lemann onde reuniu mais de 200 pesquisadores, comunicadores, lideranças nacionais e internacionais, especialistas em educação e em equidade e investidores em pesquisa aplicada dos setores público e privado.

O objetivo era refletir sobre as diferentes perspectivas que envolvem o papel da pesquisa aplicada no trabalho de quem decide os destinos da educação, para poder ser acessada por todos os estudantes, sem exceção.

Eduardo Marino, Gestor de Conhecimento Aplicado do Centro Lemann, abriu o debate compartilhando a razão que fez o evento acontecer: “Temos o sonho de ver a educação básica do Brasil em outro patamar, com qualidade e equidade para todos", explicou. Durante as boas-vindas do evento, também estavam Daniel de Bonis, Diretor de Conhecimento, Dados e Pesquisa na Fundação Lemann, Anna Penido, Diretora-Executiva do Centro Lemann, e Rodrigo Soares, Vice-Presidente Acadêmico do Insper. 

De Bonis trouxe a importância e os desafios de olharmos para os dados para discutir políticas de equidade. “O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é um indicador fundamental, mas ele não mostra profundamente as desigualdades”, disse. Já Penido falou sobre como esse tipo de discussão pode beneficiar as lideranças a enfrentarem os principais problemas da educação: “na rede de ensino, existe uma distância entre a realidade e os dados, no que se refere às desigualdades. A possibilidade de oferecer a essas lideranças dados de qualidade é fundamental para que elas deem o salto de qualidade que esperamos”. Soares fechou a mesa: “Buscar igualdade, acesso e qualidade em Educação Básica é a forma mais efetiva de combater, no longo prazo, a maior doença social que existe no Brasil, que é essa persistência da desigualdade ao longo do tempo”, disse.


Anna Penido (Centro Lemann); Sonya Douglass (Universidade de Columbia); Michael França (Insper)

Primeiros passos para o avanço

Sonya Douglass, professora e pesquisadora do Teachers College, na Universidade de Columbia, e coautora do livro The Politics of Education Policy in an Era of Inequality: Possibilities for Democratic Schooling (“A política da política educacional em uma era de desigualdade: possibilidades para a escola democrática”), chamou a atenção para a importância de um currículo que não deixe de lado o ensino da história e da cultura negra nas escolas e apontou o fato de a pesquisa acadêmica não olhar para cor e raça das populações estudadas. “Nos Estados Unidos, grande parte das pesquisas incluem as(os) sujeitas(os) pesquisadas(os), membros das comunidades. Isso é importante para sabermos o que as pessoas precisam, e não só o que a academia indica, e termos as soluções na educação. E, após chegar nesse entendimento, o desafio é o que fazer com essa informação para que a tomada de decisões sejam realizadas no sentido da equidade”, explica.

Para Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais (Neri) do Insper, a educação não irá ajudar a resolver todos os problemas das desigualdades socioeconômicas. “Com a pesquisa aplicada podemos ter um melhor entendimento dos desafios educacionais e de equidade e, com isso, ter orientações direcionadas para o desenvolvimento de políticas públicas mais eficientes no combate à desigualdade. No entanto, os desafios são muitos. Por isso, falar com todas as partes interessadas é um grande desafio”.

Martin Carnoy, economista e professor da Universidade de Stanford, trouxe dados que afirmam que o gasto por aluno e o investimento na formação de docentes aumentaram em alguns países da América Latina - Brasil, México, Argentina, Chile, Peru e Uruguai nas últimas décadas. No entanto, apesar disso, o Brasil piorou no que diz respeito à desigualdade. “. Os investimentos fizeram com que os resultados no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) melhorassem como um todo. Porém, no Brasil, observou-se um aumento da desigualdade quando comparamos o desempenho de crianças mais privilegiadas em relação às de baixa renda. Reduzir as desigualdades nas escolas significa moldar os sistemas educacionais. É preciso um esforço coordenado para isso, que só é possível com as condições políticas corretas. Políticas de tributação e investimentos públicos podem apoiar para a redução de desigualdades”.


Estudos sobre desigualdades e gestão escolar

Em 22 de agosto, primeiro dia de evento, cerca de 30 pesquisadores de diferentes instituições e regiões do Brasil compartilharam resultados de 18 pesquisas realizadas no país. Foram abordados três temas: “Gestão de redes municipais de educação e territórios”, “Dados e indicadores educacionais”,“Gestão pedagógica e ambientes educacionais”. 

O estudo “Gestão das redes de ensino e clima escolar: mapeamento das ações e uma proposta de matriz avaliativa sensível à equidade”, desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares da Universidade Federal de Minas Gerais (Nupede/UFMG), teve o apoio do Programa de Fomento à Pesquisa Aplicada do Centro Lemann. O programa selecionou seis grupos de pesquisa para produzir evidências que apoiem a tomada de decisão de lideranças educacionais e fortaleça a equidade na agenda de educação brasileira. Com avaliações em 196 secretarias de educação nas cinco regiões do país e concluiu que 45,7% delas estão “parcialmente estruturadas” para gerir o clima e a convivência no ambiente escolar, e possuem algumas iniciativas voltadas para questões como violência, bullying e racismo, mas ainda não estão no nível máximo (“muito estruturado”) – patamar atingido por apenas oito redes (4,1%). 17,3% delas, que correspondem a 34 secretarias, estão em um grupo intermediário, classificado como “estruturado”. 

Ao longo do evento, outros debates e apresentações aconteceram sobre as contribuições da pesquisa aplicada para a equidade na educação. 

Confira alguns destaques:


Indicadores nacionais de educação

O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Governo Federal, foi uma das perguntas-chave do evento, junto a outros indicadores nacionais. Muitos pesquisadores indagam como eles podem funcionar no enfrentamento das desigualdades e o que é essencial para evidenciar a equidade como medida de sucesso na educação brasileira. 

Para Rayana Vasconcelos, coordenadora de Conhecimento, Dados e Pesquisa da Fundação Lemann, esses indicadores expressam pouco a equidade. "Olhamos a equidade como princípio, mas todos os princípios do Ideb devem estar no nosso radar", diz. Já José Francisco Soares, pesquisador e professor emérito da UFMG, pontuou que a educação no Brasil, por ser um direito de todas as pessoas e dever do Estado, precisa/exige/demanda resultados. "A qualidade da educação é muito importante. Na ideia da nota média, e da substituição, todos são equivalentes”, diz. Para o pesquisador, um indicador de qualidade para os mais variados níveis serve mais à ideia do monitoramento. “É preciso entender que o objetivo em termos de qualidade não é que todos cheguem à nota máxima [no contexto do Ideb], mas, sim, que tenhamos o maior número possível de alunos com um nível elevado”, explica. 

Soares reitera que o nível socioeconômico dos estudantes não pode ser dissociado dos retratos trazidos pelo Ideb, sob pena de criarmos uma lacuna ainda maior na medição das desigualdades. "A medida de qualidade é para um número restrito de estudantes. Nós estamos medindo muito mal", conclui.

Vitor de Angelo, secretário de Educação do Espírito Santo, questionou se a desigualdade deve ser comunicada por meio do Ideb. “Isso não seria apenas uma forma de usar a popularidade desse indicador para comunicar algo que desejamos? Não seria possível fazer apenas pequenos ajustes no Ideb, e criar um outro indicador para a desigualdade?”, perguntou.


Trajetórias educacionais

Esmeralda Macana, da Fundação Itaú, apresentou um monitoramento da regularidade das trajetórias educacionais nos municípios brasileiros que mostrou que raça é um fator totalmente relacionado à trajetória. “Alunos pretos e indígenas têm maior trajetória irregular. Não temos conseguido reduzir as desigualdades”, diz. Para ela, este gap pode ser reduzido se a permanência na escola tiver a mesma importância quanto a qualidade do estudo. 

Silvana Oriente e Tatiane Cosentino, pesquisadoras da UFSCar, apresentaram um trabalho sobre o novo Ensino Médio e a juventude negra no Amazonas. Elas buscaram entender quais são as possibilidades metodológicas para que o estudante amazonense possa se entender, fortalecer suas identidades e perceberam que, apesar de cerca de 80% da população amazonense ser negra, grande parte não se identifica assim, pois há uma grande população indígena na região. No entanto, a conclusão é que a questão étnica racial não é um tema frequentemente discutido nas salas de aula e os professores relatam a falta de domínio para falar da temática. “É preciso ter um olhar para esse território.”, disse Oriente.


Lógica democrática e decolonial

A partir dos debates, ficou evidente como a equidade na educação básica pode causar impactos profundos em termos de justiça social e luta pelo fim das desigualdades. Pesquisas que investigam e promovem práticas equitativas contribuem para a construção de uma sociedade mais igualitária, ao garantir que todas as pessoas, considerando a diversidade do Brasil e seus marcadores sociais, tenham acesso a uma educação que lhes permita prosperar.

Para Kátia Schweickardt, Secretária Nacional de Educação Básica do Ministério da Educação, é preciso se comprometer com perspectivas de pesquisa a partir de uma lógica democrática e decolonial. “A gente tem que usar referências que nos coloquem em diálogo com sociedades e realidades que podem nos inspirar semelhantes às nossas.”

Renata Ferraz, Gerente de Conhecimento, Dados e Pesquisa da Fundação Lemann, afirma que reduzir a desigualdade dos resultados escolares significa moldar os sistemas educacionais com um foco maior em escolas de baixa renda. "A gente falou de aprendizagem, de equidade, de inclusão, de desenvolvimento integral. E esses são sonhos, mas também são direitos constitucionais de cada criança e de cada adolescente que vive no Brasil”, conclui.


Evento "Diálogos Pela Equidade"

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