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17 dezembro 2016 | 00h00

A educação como o melhor caminho

Educação, política e o sonho de uma transformação profunda do nosso Brasil

Por Tábata Amaral de Pontes


Minha paixão por educação e política, além da crise que se intensifica no Brasil, inspirou o tema da tese que desenvolvi para a graduação em Harvard: “The Politics of Education Reform in Brazilian Municipalities”, ou “Uma análise política da implementação de reformas educacionais em municípios brasileiros”.

A pesquisa tem uma grande relação com a minha trajetória. Venho de uma família humilde, mas mesmo que meu pai não tenha completado o ensino fundamental e minha mãe só tenha concluído o médio há alguns anos, eles sempre valorizaram muito a educação e fizeram tudo para que eu e meu irmão pudéssemos nos dedicar aos estudos.


Acesso a oportunidades
A primeira grande oportunidade educacional que tive veio com a 1ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, a OBMEP, na 5ª série.

Participação na 1ª Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas/Arquivo pessoal

Para mim, a OBMEP também foi a primeira demonstração do impacto positivo que boas políticas públicas podem ter na vida de milhões de pessoas. Na 5ª e 6ª séries, fui premiada na OBMEP e essas conquistas me levaram a receber uma bolsa completa de estudos no Colégio Etapa, instituição privada de alto padrão em São Paulo.


Essa segunda grande oportunidade me mostrou como o nosso país é marcado pelas desigualdades. Moro na periferia de São Paulo e o Etapa fica no centro da cidade. São dois mundos completamente diferentes a apenas uma hora e vinte minutos de distância de ônibus e metrô. Meu pai era cobrador de ônibus de uma linha que ia do meu bairro, Vila Missionária, até o Itaim Bibi, bairro nobre da cidade. Minha mãe também já trabalhou no centro como diarista e vendedora. No entanto, meu primeiro contato real com a desigualdade brasileira aconteceu ao vivenciar a enorme diferença entre a qualidade de ensino da minha escola estadual e o Etapa. Foi quando percebi: a baixa qualidade das nossas escolas públicas alimenta a grande desigualdade socioeconômica do país; e só a educação é capaz de transformar a vida das pessoas, potencializando sonhos e realizações.


Estudei intensamente nos anos seguintes e, no 2º ano do ensino médio, fui para a minha primeira competição internacional, representando o Brasil na China na Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica. Depois, consegui uma bolsa para estudar inglês com a ajuda de amigos e da escola. Ao mesmo tempo, enfrentei problemas familiares e meu pai começou a ter complicações de saúde. A situação financeira da família piorou e já não conseguíamos pagar meu transporte ou o lanchinho que eu levava para almoçar.  

Projeto VOA! - Vontade Olímpica de Aprender/Arquivo pessoal

Felizmente, mais pessoas apostavam em mim. Expliquei a situação para um professor e o diretor do Etapa conseguiu que eu ficasse em um hotel perto da escola durante a semana sem custo nenhum. Para aguentar firme, foquei ainda mais nos estudos e no VOA! – Vontade Olímpica de Aprender, um projeto que fundei com alguns amigos pouco antes de começar o ensino médio. No VOA, preparamos alunos de escolas públicas para olimpíadas científicas. Na época, eu já tinha bastante claro que havia sido abençoada com tantas oportunidades e precisava lutar para que outros brasileiros também tivessem acesso a oportunidades incríveis.


Entre sonhos e aprendizados
No 3º ano do ensino médio, após muito estudo e um forte apoio dos professores e amigos, representei o Brasil em quatro competições internacionais, conhecendo a Turquia e a Polônia, multiplicando o desejo de representar o Brasil em competições internacionais. Também comecei os processos seletivos de universidades brasileiras e americanas - um dos períodos mais desafiantes da minha vida em que, diversas vezes, pensei em desistir. Mas tantas pessoas lutavam ao meu lado que eu precisava continuar.
Ao concluir o ensino médio, fui aprovada em Física na USP e comecei a trabalhar como professora de astronomia e química no Etapa. No dia 8 de março de 2012, recebi a melhor notícia da minha vida: havia sido aprovada na Universidade Harvard com bolsa completa. Mas a vida é uma montanha russa e, quatro dias depois, meu pai faleceu. Em seguida, minha mãe ficou desempregada. Resolvi deixar a faculdade, continuar trabalhando e não me importar com as universidades americanas.
Mais uma vez, alguém continuou acreditando em mim. Uma funcionária e grande amiga do colégio comprou uma passagem para que eu conhecesse as universidades em que havia sido aceita – foram seis com bolsa completa no total – e entendesse a dimensão da minha decisão. Às pressas, realizei as visitas e me encantei. Tudo aquilo era tão diferente e maravilhoso que decidi seguir o sonho de estudar nos Estados Unidos e mudar a vida da minha família. No dia 1o de maio de 2012, escolhi a Universidade Harvard e enviei o meu sim.


Com os amigos em Harvard/Arquivo pessoal

Desde então, trabalhei muito, estudei ainda mais, mudei de curso para Ciências Políticas, Astrofísica virou minha especialização, conheci pessoas, países e culturas incríveis, aprendi e refleti profundamente. Refleti sobre a minha trajetória, os sofrimentos do meu pai – que teve pouquíssimas oportunidades – e também sobre a história do meu irmão, que passava por um momento de transição importante.
Allan é um ano mais novo que eu e, ao contrário de mim, estudou a vida inteira em escolas públicas em São Paulo. Ele nunca teve uma aula de química sequer e, então, não foi surpreendente quando não passou em nenhum vestibular. Mesmo se conseguisse uma bolsa em um cursinho, ele achava que faculdade boa era coisa de gênio ou rico, e não queria nem tentar. Depois de várias discussões, o Allan resolveu fazer o cursinho e foi aceito em algumas das melhores faculdades do país depois de um ano. Hoje, estuda Sistemas da Informação na Unicamp, me enchendo de orgulho.
A história dele é um bom lembrete de que nós, como sociedade, culpamos demais nossos alunos e esquecemos que o esforço é apenas o terceiro de três ingredientes importantes: o acesso a oportunidades, a crença em que você é capaz e merecedor daquela oportunidade e, por fim, o esforço. Com tudo isso na cabeça, decidi que meu novo sonho era que o Brasil tivesse a melhor educação pública do mundo! Eu lutaria a vida inteira para alcançar isso e para que outros jovens tivessem acesso a oportunidades.  


Mapa Educação e um mergulho na realidade brasileira
Um mentor me disse duas coisas que me marcaram. Primeiro, que todas as pessoas que ele tinha visto tendo impacto de verdade não esperavam o fim da faculdade para começar. Segundo, que um time muito bom era mais importante que uma ideia genial. Foi quando decidi montar o meu time e convidei dois grandes amigos, a Lígia e o Renan, para fazerem acontecer comigo. Assim surgiu o Mapa Educação.

Jovens do Mapa Educação/Acervo pessoal

O Mapa é um movimento social com mais de 130 jovens que lutam por uma educação de qualidade para todos os brasileiros, fazendo do jovem o protagonista dessa mudança. Queremos ser referência na fiscalização de políticas e no debate educacional, tornando a educação, de fato, uma prioridade na agenda nacional. A minha trajetória e experiência com o Movimento Mapa Educação me ensinaram que a educação é de fato a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo, como disse Nelson Mandela, e para transformar as pessoas. E foi para entender melhor a relação entre política e educação no Brasil que me dediquei ao tema da minha tese nos meus dois últimos anos da faculdade.

Crianças da rede pública de ensino de Sobral (CE)/Arquivo pessoal

Além da minha trajetória, o caso de Sobral, no Ceará, foi um grande motivador do tema da minha tese. A cidade tem uma das melhores educações públicas do Brasil. A rede viveu uma revolução nos seus resultados entre 2005 e 2013 e eu queria entender a razão. Eu fiz um estágio na Secretaria Municipal de Educação de Sobral em 2014. Esse estágio me mostrou que o contexto político havia sido fundamental para a transformação da educação sobralense e inspirou várias das hipóteses levantadas pela minha pesquisa.
Para dar um pouco de contexto, o acesso à educação no Brasil se expandiu enormemente nas últimas duas décadas, como resultado de reformas educacionais no nível federal. No entanto, a qualidade da educação no país permanece baixa pelos padrões internacionais. Olhando para a América Latina como um todo, os países latino-americanos - em sua maioria - fizeram progressos importantes no acesso e prestação de assistência social. Mas, em toda a região, a educação permanece com uma qualidade muito baixa. E, neste cenário, há casos como Sobral e Foz do Iguaçu, nos quais grupos políticos resolveram reformar seus sistemas educacionais.
Minha tese de graduação baseia-se em um conjunto original de dados dos 5.570 municípios brasileiros e no trabalho de campo em sete municípios para explicar a variação dos resultados educacionais no nível municipal. Um dos resultados é que as reformas educacionais são mais prováveis de serem introduzidas sob a administração de um partido programático – com pautas e programas claros – e sustentadas e bem-sucedidas quando há continuidade política no governo municipal. Além disso, contrariamente às expectativas, a competição política não afeta a implementação de reformas educacionais politicamente difíceis, mas níveis mais altos de competição eleitoral têm efeitos negativos sobre os resultados educacionais nos municípios de baixa população.
Com a minha tese de graduação, ficou claro o impacto que políticas públicas têm sobre a qualidade da nossa educação. E é por isso que um dos meus sonhos e missões é ser uma gestora pública, sendo parte de grandes mudanças no sistema educacional brasileiro. E eu sou muito grata pelos amigos e instituições – como a Fundação Estudar e a Fundação Lemann – que acreditam nesse sonho e vêm me ajudando a trilhar o meu caminho para que um dia ele se torne realidade. Todas essas pessoas sabem, assim como eu, que a educação é o caminho que o Brasil deve trilhar para transformar-se no país que queremos.

Lemann Fellows com Jorge Paulo Lemann durante o Encontro Anual 2016, um dos eventos do Programa Lemann Fellowship/Crédito: Fundação Lemann
Arquivo pessoal

Tábata Amaral é parte do programa Lemann Fellowship, iniciativa da Fundação Lemann que apoia pessoas comprometidas com o desenvolvimento social do Brasil. Ela se graduou com honras máximas (magna cum laude) em Ciência Política e Astrofísica em Harvard, é cofundadora do VOA - projeto que prepara alunos de escolas públicas para as olimpíadas científicas - e do Movimento Mapa Educação, que trabalha para priorizar a educação na agenda nacional por meio da mobilização de jovens.

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