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16 março 2023 | 00h00

A equidade de gênero nas lideranças do setor público pode transformar a realidade do país

Por Clarissa Malinverni 

Por ocasião do Dia Internacional da Mulher, há mais de um século, março é tradicionalmente o mês em que projetos são anunciados, alguns avanços são celebrados e muitos dos desafios que a sociedade impõe às mulheres são debatidos com mais profundidade. De feminicídio, diferenças salariais no mercado de trabalho a jornadas triplas de trabalho, são muitas as barreiras que precisamos superar. 

Um deles é a baixa participação das mulheres em posições de liderança no setor público, seja em cargos eletivos, seja nos poderes executivo e judiciário. Este é sempre um ponto discutido à exaustão, mas, na prática, pouco tem sido feito para mudar esta realidade. Se há uma certeza de que a diversidade no setor público é crucial para a construção de políticas públicas que de fato contemplem as demandas de uma população plural, é também verdade que os dados no  Brasil escancaram o quão distantes estamos de diminuir as assimetrias de acesso ao poder.

Num relatório recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que comparou 15 países da América Latina e do Caribe, o Brasil ficou na pior posição de porcentagem de mulheres em cargos de liderança. Os dados mostram não apenas o tamanho do desafio, mas também sua complexidade. Há um abismo maior quando olhamos para o problema a partir de uma perspectiva interseccional: mulheres negras, indígenas e mães encontram ainda mais barreiras. Até aqui, nada de novo. Mas superar um desafio com raízes tão profundas no patriarcado e no racismo exige um esforço igualmente profundo e complexo, com o comprometimento de todos os setores da sociedade em um grande pacto nacional. A inércia ou mesmo melhorias incrementais não nos levarão a um cenário de equidade.

Segundo dados recentes do Observatório de Pessoal, antecipados pela colunista Mônica Bergamo na Folha de S.Paulo, as mulheres ocupam apenas 33% dos postos de alto escalão, como diretorias, secretarias e ministérios. Quando se trata de mulheres negras, o índice cai para 9%. O cenário também se repete em outras esferas da administração pública. Nos governos estaduais, em média, as mulheres ocupam apenas 28% dos cargos do primeiro escalão, segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo. Analisando os dados disponibilizados pelo Atlas do serviço Público, do IPEA de 1999 a 2020, o maior crescimento na participação de mulheres em cargos de segundo e terceiro escalão foi observado entre 2009 e 2013, durante o governo da presidenta Dilma Rousseff. Aplicando esta taxa de crescimento nos próximos 10 anos, em 2031 chegaríamos a 39,7% dos cargos DAS 5 e 6. Quando fazemos o recorte por mulheres negras, esse percentual não chegaria a 6%.  

A escassez de representatividade, diversidade e pluralidade de perfis nas equipes dos governos impacta diretamente na qualidade das políticas e dos serviços públicos que nascem nesses centros de decisão. Quando temos mais pessoas negras, mais mulheres, mais indígenas, pessoas LGBTQIA+ em posições de tomada de decisão, estamos mais próximos de desenhar melhores ações e da possibilidade de que elas tenham impacto numa parcela maior da população. Melhores políticas e serviços públicos, por sua vez, ajudam a aumentar a legitimidade dos governos e a confiança da população nas instituições públicas. Em 2022, somente 34% dos brasileiros diziam confiar no governo.

Ainda segundo o BID, evidências indicam uma correlação positiva entre mais mulheres em cargos de decisão pública e maior crescimento econômico. Em países em desenvolvimento, o aumento da presença de mulheres na política resulta em melhorias dos serviços públicos, sobretudo nas áreas de educação e saúde. Não é de se espantar: historicamente, o cuidado foi sempre atribuído à figura da mulher e, no Brasil, somos chefes de família em 48% dos lares, de acordo com o IBGE. Mas não queremos estar restritas às áreas sociais. Queremos ocupar posições e fazer parte da construção das políticas públicas de planejamento, gestão, defesa e de todos os outros setores que impactam nossas vidas e a de milhões de mulheres todos os dias. 

Os benefícios da participação de mulheres em postos de liderança em governos estão dados. Os desafios, também. A boa notícia é que é possível transformar essa realidade. Ações estruturadas em outros países, que também enfrentam a disparidade de gênero em seus governos, já indicam possíveis caminhos. Na Fundação Lemann, analisamos mais de 50 experiências que buscam a promoção da equidade racial e de gênero em 13 países, além de termos conduzido entrevistas com especialistas no tema. Este não é um debate etéreo ou um problema sem solução.

Existem muitas ações que podem ser implementadas imediatamente e que comprovadamente podem acelerar esta curva de crescimento da representatividade. Aqui gostaria de destacar duas que têm se mostrado muito efetivas: a primeira é desenvolver uma política estruturada de dados que nos permita conhecer o desafio em todas as suas dimensões e desenhar intervenções mais assertivas e baseadas em evidências; a segunda é desenhar um plano com metas públicas e pactuadas, que nos permita perseguir este sonho de maneira concreta. Definir métricas, metas e ações relacionadas à pauta de diversidade como parte do arcabouço de desempenho organizacional é um primeiro passo importante. A França, por exemplo, criou um comitê interministerial e, com o envolvimento dos sindicatos e da sociedade civil, apresentou um plano de ação com 30 medidas para fortalecer a presença de mulheres em posições de liderança pública.  

Governos são os principais detentores dos meios para promover transformações e impactar positivamente a vida das pessoas, permitindo que cada indivíduo encontre as condições necessárias para desenvolver seu pleno potencial. Nós, mulheres, queremos e devemos fazer parte desta transformação que tanto nos impacta. Ocuparmos os espaços de poder e tomada de decisão é fundamental para que mais políticas públicas sejam elaboradas e implementadas considerando nossas inúmeras demandas, em toda sua multiplicidade e complexidade e para que, enfim, possamos construir uma sociedade em que gênero não seja uma barreira para o pleno exercício da cidadania.

Materiais e estudos de referência:

http://bit.ly/3Tl4qlc

http://bit.ly/3Tpn7oc

http://bit.ly/3yKBxpq

http://bit.ly/40hW3tb

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