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20 setembro 2023 | 00h00

A potência da liderança coletiva para gerar mudanças

Por Anna Laura Schmidt

Além de implementar soluções replicáveis via protocolos baseados em evidências, o que mais é preciso para construir soluções para os grandes desafios do nosso tempo? Há muitas possibilidades de resposta. Afinal, para gerar mudança sistêmica, as ferramentas precisam também ser sistêmicas. Ao mesmo tempo, há um elemento central e irrefutável em toda busca por transformação nesses sistemas criados pela humanidade – as pessoas. Quando nos referimos a problemas coletivos como a pobreza ou a baixa qualidade da educação, as pessoas precisam ser lideranças preparadas e envolvidas para um propósito nítido de trabalho coletivo.

O investimento no desenvolvimento de liderança coletiva é a proposta central para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), as 17 metas globais estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em meio à semana da assembleia geral em Nova York, quando organizações e líderes de todo o mundo se reúnem para discutir desafios do planeta, Brookings Institution e The Rockefeller Foundation realizam o já tradicional “17 Rooms” – ou 17 salas, uma para cada ODS da ONU. A ideia é estimular conexões produtivas para cada um dos objetivos e, de quebra, pensar nos temas transversais, como a liderança coletiva. Fui convidada para contribuir com esse debate em específico ao longo do “17 Rooms” neste ano. 

É algo que eu já vinha discutindo em outros eventos internacionais, como o encontro no  Bellagio Center, na Itália, também a convite da Rockefeller Foundation e do Teach for All. O Bellagio é um espaço de prestígio, onde ocorreram reuniões históricas que iniciaram ações de grande impacto público, como a Aliança Global para Vacinas (GAVI, na sigla em inglês). Se lá discutimos como colocar as pessoas no centro dos investimentos para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, agora, em Nova York, o convite é para debater a potência das lideranças coletivas.  

A premissa é a de que não basta apenas investir em protocolos que já se provaram eficientes. Tampouco é suficiente somente investir em pessoas. Os dois precisam caminhar juntos para que objetivos sejam alcançados. Um bom exemplo disso está na saúde, com a descoberta da penicilina ou ainda, mais recente, no desenvolvimento da vacina da Covid-19 para mitigar a pandemia. As pesquisas e as evidências, sozinhas, não fariam a revolução que o antibiótico ou os imunizantes trouxeram para a sociedade. Nada teria caminhado sem a liderança coletiva – seja dos sistemas e dos profissionais de saúde que se articularam para a distribuição e a aplicação correta das substâncias, seja da própria população que, no caso da vacina, buscou os postos de saúde para recebê-la. 

As pesquisas e as soluções que já se provaram eficazes não podem ser descartadas, mas é também fundamental investir nas pessoas que vão carregar o propósito de mudar os sistemas. Os sistemas, afinal, são compostos por pessoas – e aqui, vale destacar, não são pessoas isoladas. O termo “liderança coletiva” é relativamente novo e vem sendo usado justamente para sair da lógica do herói individual, aquele que faz as transformações por conta própria. 

A verdade é que mudanças sistêmicas acontecem graças ao coletivo. Um exemplo apropriado é o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Uma das grandes figuras à frente desse marco histórico é Martin Luther King. Sua contribuição foi fundamental e é, sem dúvidas, incontestável. Já a ideia de que a transformação se deu por causa de apenas um indivíduo é equivocada. Não se trata de reduzir a importância de indivíduos nas mudanças, mas de reconhecer que tão importante quanto a figura do herói é o aspecto coletivo, ou seja, o conjunto de pessoas que, em diferentes partes do sistema, está fazendo aquela transformação acontecer. A representatividade e ação do herói ou heroína importa. O coletivo também.

Liderança coletiva implica também em inteligência coletiva. É preciso entender que uma única perspectiva sobre uma questão será sempre limitada. A pluralidade e a diversidade de lideranças vindas de realidades distintas engendra soluções mais efetivas e mais conectadas à complexidade do desafio. É o oposto de uma abordagem colonial. Não é porque uma solução funciona em determinado território que ela pode ser simplesmente “transportada” para outra região. O fortalecimento da capacidade de gerar mudança está na troca. É sim ampliar o acesso a evidências e protocolos já testados e replicáveis, e  é também e cada vez mais fortalecer lideranças plurais em direção à construção de estruturas mais justas para todos.

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