Aprendizagem centrada no estudante
Como as escolas brasileiras estão superando as desigualdades na educação através de uma abordagem centrada no aluno.
Autora: Camila, Diretora de Educação, Fundação Lemann
Com mais de 180 mil escolas fechadas de março de 2020 a agosto de 2021, o ensino remoto se tornou a única opção para os 47 milhões de estudantes brasileiros. Apesar do grande esforço dos educadores, servidores públicos e familiares para apoiar os alunos fora da sala de aula, esperamos que a aprendizagem dos alunos sofra um impacto grande. Há tempos, a educação brasileira sofre por conta de desigualdades e lacunas profundamente arraigadas que se agravaram por conta da COVID-19. Quais são as soluções necessárias para que o Brasil supere essas desigualdades?
A crise da saúde pode fazer a educação brasileira retroceder quatro anos, de acordo com um estudo comissionado pela Fundação Lemann, que trabalha para melhorar o acesso à educação de alta qualidade para brasileiros de todas as esferas da vida. Com a reabertura das escolas, é imperativo que os professores disponham do apoio e recursos necessários para mitigar esse impacto, que varia muito entre os estudantes. Nesse contexto, um ensino centrado no aluno é uma forma de estruturar experiências de aprendizagem de acordo com as necessidades e interesses de cada aluno. Essa abordagem garante o alinhamento de cada aula com o nível dos alunos em termos de conhecimentos e habilidades prévias para que a aprendizagem possa ser engajadora e significativa para eles. Isso também exige a aplicação de metodologias de ensino, como a instrução diferenciada - a adaptação de métodos individuais de ensino para cada aluno, - para abranger realidades distintas em sala de aula.
Porém, com 35 a 40 alunos por sala, isso pode ser um grande desafio. A boa notícia é que a tecnologia pode ajudar. Com um treinamento adequado e ferramentas digitais efetivas, os professores terão o apoio necessário para avaliar o progresso de cada aluno e criar atividades personalizadas.
Nosso último relatório demonstra que uma combinação de instruções munidas de dados para os professores, ensino digital individual para os alunos e experiências de aprendizagem ativa podem gerar melhorias consideráveis nos índices de aprendizagem, equidade de ensino, clima escolar e engajamento de professores e alunos, além de diminuir as taxas de evasão. Um dos estudos de caso, por exemplo, analisa um experimento realizado ao longo de mais de três anos em 14 escolas americanas onde os alunos tiveram a oportunidade de estudar matemática no seu próprio ritmo através de uma combinação de instruções dos professores, trabalhos em grupo e atividades de ensino online. Ao final de cada dia, o conhecimento dos alunos era testado e, por meio de tecnologias digitais, eles recebiam um plano de aula personalizado para o dia seguinte. Os alunos que participaram no projeto tiveram um resultado 23% superior em exames nacionais padronizados.
No Brasil, nós, da Fundação Lemann, estamos trabalhando para desenvolver e implementar trajetórias inovadoras para a formação de professores, por exemplo, com um investimento de US$ 2,36 milhões no impulsiONar (uma parceria com a Imaginable Futures e o IDB Lab); um programa de soluções educacionais e digitais para redes municipais com o objetivo de reduzir e prevenir lacunas de ensino em português e matemática para alunos do sexto ao nono ano. Além disso, o Creative Schools Programme, em parceria com o MIT Media Lab e com um financiamento da Lego Foundation, tem como objetivo promover a adoção sistêmica de abordagens centradas no aluno em todo o país, almejando atingir 500 mil alunos em quatro anos.
Porém, é importante destacar que a tecnologia não pode atingir o seu potencial de promover o ensino centrado no aluno sem uma peça fundamental de infraestrutura: a conexão de internet nas escolas. Quase um terço das escolas do Brasil não possui acesso à internet de acordo com o Censo Escolar de 2019. Mesmo entre as escolas que possuem acesso, 58% têm velocidade limitada a 2mpbs para a escola inteira, ao passo que a velocidade recomendada nos EUA, por exemplo, é de 1mpbs por aluno.
Para compreender o problema e apoiar as redes na criação de um plano de conexão para todas as escolas, estamos mapeando a velocidade da internet em escolas de todo o país junto com uma série de parceiros dos setores público e privado, incluindo o Centro de Informações de Rede Nacional. O primeiro passo é a instalação de um medidor que registra a conectividade da escola a cada quatro horas. Essa ferramenta gratuita já é utilizada em 43 mil escolas. Com acesso a dados atualizados, os formuladores de políticas educacionais podem identificar exatamente onde alocar recursos para melhorar a conexão.
Em dezembro do ano passado, o Congresso Brasileiro promulgou uma lei que inclui provisões para garantir acesso à internet de alta velocidade em escolas públicas até 2024. Além disso, em setembro, o governo também incluiu a conectividade das escolas como parte da utilização do espectro do 5G, garantindo recursos para atingir a meta de 2024. Se essa meta for atingida, poderemos ver uma transformação na educação brasileira. Os professores brasileiros sabem do valor da tecnologia na educação: De acordo com uma pesquisa recente da Fundação Lemann, 73% dos educadores dizem que planejam usar mais ferramentas digitais em sala de aula, comparado com o período antes da pandemia. Isso significa que será essencial garantir que as escolas estejam equipadas com computadores e tablets adequados para o ensino.
Além dos esforços nacionais, sabemos por experiência que compartilhar conhecimento entre países é essencial para avançara educação. Para ajudar na formulação na Base Nacional Comum Curricular, por exemplo, a Fundação Lemann reuniu acadêmicos do mundo todo que participaram na formulação das bases de outros países, incluindo o US Common Core e o Australian Curriculum. Para complementar essas iniciativas e garantir o direito das crianças brasileiras de terem acesso a uma educação que as prepare para uma vida significativa e produtiva, serão necessários esforços direcionados e colaborações internacionais.