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28 julho 2023 | 00h00

Desafios (e ações) para mais mulheres negras em posições de liderança no setor público

Por Clarissa Malinverni, Mariana Cropalato e Janiele de Paula

Estruturas racistas e patriarcais atuaram historicamente para oprimir mulheres negras e apartá-las dos espaços de decisão. Se o racismo estrutural é um reforço cotidiano dessa opressão, o mês de julho é um marco histórico. Em 25 de julho de 1992, mulheres negras se reuniram na República Dominicana para denunciar e cobrar ações de enfrentamento às desigualdades. Surgiu desse encontro o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, um marcador tanto da potência quanto dos desafios delas na sociedade.

No Brasil, as mulheres negras formam quase um terço da população (27,8%, segundo dados do IBGE), mas ainda estão distantes de ter igual representatividade nos espaços de formulação de políticas públicas. No Congresso Nacional, por exemplo, em 2018, foram eleitas 13 deputadas negras e, em 2022, 29. Elas também são sub representadas no alto escalão do governo federal: apenas 9% desses cargos são ocupados por mulheres que se declaram pretas ou pardas. Há caminhos já sendo trilhados para reverter esse cenário, seja no governo, que estabeleceu que 30% dos cargos de comissão e funções de confiança na administração federal sejam preenchidos por pessoas negras, seja nos movimentos sociais ou nas organizações filantrópicas. 

Na Fundação Lemann, três pilares orientam as ações de equidade racial para lideranças no setor público: sensibilizar (para ter menos barreiras institucionais e mais políticas de inclusão), conhecer (disseminar aprendizados aplicados sobre o tema) e implementar (políticas de excelência e diversidade em gestão de lideranças). No primeiro pilar, cabe destacar a contribuição do Movimento Pessoas à Frente com o documento “Recomendações para a Promoção de Equidade Étnico-Racial no Serviço Público Brasileiro”. Elaborado por 46 especialistas, gestores públicos e representantes da sociedade civil, o material funciona como um guia para a composição étnica justa e equânime dos quadros do serviço público, inclusive nos cargos de lideranças. 

Quando mulheres negras são apartadas dos espaços de decisão, o Brasil deixa para trás a potência de uma parcela significativa da população e perde a oportunidade de elaborar políticas mais eficazes, que reflitam de fato a realidade diversa do país.

Na busca por conhecimento sobre o tema, ainda enfrentamos a barreira da falta de dados. Um estudo encomendado à Fundação Getúlio Vargas pela Fundação Lemann e o Movimento Pessoas à Frente mostrou que os portais de transparência dos estados não divulgam dados desagregados sobre escolaridade, raça e gênero de todos os funcionários estaduais – estatísticas que ajudariam a entender o perfil de uma equipe para elaborar estratégias de recrutamento, por exemplo.

Na seara da implementação, estão projetos como as Jornadas para Lideranças com Equidade, uma iniciativa da Vamos, com implementação do Instituto Gesto. O trabalho inclui desde o diagnóstico para entender o nível de compromisso com a agenda étnico-racial até o letramento de lideranças do setor público nas cinco regiões do país, em mais de 28 pastas prioritárias (Educação, Saúde e Gestão). O objetivo é coletar dados, estimular ações de promoção da diversidade e garantir a continuidade de projetos que já existem.

Outra iniciativa na frente de implementação é o projeto do Aqualtune Lab, um coletivo idealizado por diretores e diretoras negras, que trabalham com a intersecção do Direito, tecnologia e raça. Desde o início deste ano, o coletivo desenvolve uma plataforma de lideranças negras que funcionará como um espaço para que pessoas negras que exercem liderança em suas áreas sejam conectadas a temas de interesse público, a fim de que possam ser facilmente localizadas e acessadas. 

Quando se fala na ausência de mulheres negras em posições de liderança, existem ao menos três barreiras importantes. A primeira delas é a ausência de conhecimento e de consciência sobre a possibilidade de ocupar esses lugares, cuja origem é a própria falta de capital social e de rede de conexão dessas mulheres. Se não estão inseridas em espaços onde as vagas para cargos estratégicos e decisórios são divulgadas, fica mais difícil conhecer e ocupar esses postos. A segunda se refere a ter a possibilidade de ser intencional nas escolhas de carreira, dado que há questões anteriores que precisam ser endereçadas. Por fim, é preciso pensar: como é para pessoas negras, especialmente para as mulheres negras, permanecer nos espaços que já conseguiram ocupar?

As mulheres negras já têm uma série de atribuições (bem como todas as mulheres) que são muito mais ligadas ao cuidado, a trabalhos que não são visíveis no universo corporativo. Quando conseguem, enfim, ingressar nele, enfrentam o desafio particular de se manter em espaços que são dominados pela branquitude, pela ideia hegemônica de privilégio. É uma barreira que está na origem e na ponta do processo – o racismo estrutural. 

Enfrentar a desigualdade étnico-racial nas posições de liderança no setor público é um desafio complexo, mas imprescindível para a construção de um futuro mais justo e desenvolvido. 

Quando mulheres negras são apartadas dos espaços de decisão, o Brasil deixa para trás a potência de uma parcela significativa da população e perde a oportunidade de elaborar políticas mais eficazes, que reflitam de fato a realidade diversa do país.

Aqui, vale lembrar a frase da filósofa e ativista Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.

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