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19 janeiro 2022 | 00h00

Janeiro Branco: como proteger a saúde mental dos professores?

A psicóloga Wendy Segantim destaca o que os educadores podem fazer durante as férias para se prepararem para o novo ano letivo e qual o papel da sociedade nesta tarefa

Estamos no Janeiro Branco, mês dedicado à conscientização, orientação dos indivíduos e inspiração às autoridades sobre as questões relacionadas ao emocional. Momento crucial para ressaltarmos um número expressivo: de acordo com uma pesquisa realizada com 9557 profissionais pela Nova Escola em 2021, 72% dos professores tiveram a saúde mental afetada e precisaram buscar apoio durante a pandemia. 

Para compreender como diminuir este índice e voltar às salas de aula com maior qualidade de vida, conversamos com a psicóloga Wendy Segantim que através de uma entrevista exclusiva destacou estratégias para os educadores diminuírem o estresse e fortalecerem a saúde mental. Além disso, a profissional comentou como a sociedade deve ajudar nesta tarefa. “Cuidar da saúde mental dos professores é primordial para que a educação evolua, pois se eles desanimarem, o futuro de todos nós estará comprometido e o mundo ficará muito pior. Esse processo pelo qual estamos passando é inegavelmente transformador. Isso não implica em dizer que ele é bom ou ruim, mas em nos fazer questionar o que podemos tirar disso, sem desrespeitar a dor emocional de cada indivíduo”, considera a especialista em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo Comportamental.  

Especificamente sobre a rotina dos professores, quais fatores tendem a ser prejudiciais ao emocional?

As transformações bruscas desencadeadas pelo ensino remoto, bem como a retomada das aulas presenciais ainda em um cenário pandêmico, exigiram que os professores desenvolvessem, em grande velocidade, capacidades e habilidades que não possuíam antes. Além disso, muitas escolas não ofereceram o suporte de que seus professores necessitam para se adaptar e se adequar à nova realidade. É possível que diante das condições que se impuseram a nós nos últimos dois anos haverá uma lacuna entre o que deveria ter sido aprendido pelos alunos e o que de fato foi assimilado. Muitos conteúdos precisarão ser retomados, metodologias revistas e novas demandas e exigências serão impostas. Se o professor não tiver tolerância com seus limites, flexibilidade cognitiva para elaborar novos caminhos e resiliência para superar as adversidades com as quais irá se deparar, isso poderá trazer prejuízos significativos ao seu emocional. Tudo o que a educação vivenciou nesse período serviu para reforçar que a internet não substitui o trabalho de um professor. A escola continua carecendo de bons professores, capazes de desenvolver bons materiais e boas estratégias de ensino e, para isso, cuidar da saúde mental desses profissionais é indispensável. 

A psicóloga lembra que as transformações bruscas desencadeadas pelo ensino remoto, bem como a retomada das aulas presenciais ainda em um cenário pandêmico, exigiram que os professores desenvolvessem, em grande velocidade, capacidades e habilidades que não possuíam antes.
Fonte: Foto: Arquivo pessoal.
Como diminuir o estresse dos professores em uma pandemia?

Níveis de estresse muito alto causam prejuízos às conexões neurais e fazem com que o sistema imunológico reduza o seu funcionamento, aumentando as chances de problemas cardíacos, AVC, Alzheimer e transtornos psicológicos. Ademais, o estresse, além de reduzir nossa capacidade de focar a atenção, também rouba nossa empatia, o que diminui nossa tolerância e aumenta a chance de conflito nos ambientes em que estamos, seja familiar ou profissional. O estressado trabalha em péssimas condições e gera condições ruins para as pessoas com quem trabalha. O ambiente escolar sempre apresentou fatores estressores. Em 2015, no meu último ano do curso de Psicologia, meu projeto de conclusão de curso foi sobre habilidades de enfrentamento de Burnout em professoras de escola pública e privada. Naquele momento, mesmo sem pandemia, o Burnout já era uma realidade e afetava muitos profissionais da educação. Hoje, diante do ensino remoto e das frustrações vivenciadas pelos professores, o número de acometidos por essa síndrome aumentou significativamente. Diminuir o estresse no ambiente escolar sobretudo em meio a uma pandemia certamente não é tarefa fácil, mas não podemos enxergá-la como utopia. Existem, sim, caminhos para tornar essa situação menos desgastante. O apoio no trabalho é um dos principais fatores para evitar o adoecimento mental. Sentir que é parte de uma equipe e que tem onde se apoiar gera sensação de segurança e pertencimento para o professor. A escola precisa reconhecer a importância do professor e oferecer suporte emocional para que ele consiga desenvolver seu trabalho de maneira satisfatória e cuidar de sua saúde de forma integral.

Muito se fala sobre “esgotamento mental”, mas o que seria?

A expressão Burnout indica aquilo que deixou de funcionar devido à "exaustão de energia, esgotamento físico, psíquico e emocional”, consequente da má adaptação de um indivíduo a um trabalho com altos níveis de estresse e carga tensional. A síndrome de Burnout tem sido apontada pelas pesquisas como a principal causa de afastamento de professores em vários níveis de ensino. Profissionais da área da educação tem muitos motivos para desenvolver o Burnout, desde as questões organizacionais a que são submetidos, como as diretrizes para o ensino, o relacionamento com diretores, coordenadores e outros colegas, os trabalhos extraclasse, o manejo com os alunos que se encontram cada dia mais desafiadores e a dificuldade em lidar com suas frustrações mediante a seus alunos. O trabalho docente acarreta uma carga emocional muito grande, devido muitas vezes a idealização da profissão e de sua função na sociedade, a vontade dos profissionais de mudar a realidade dos alunos através da educação e transformar o mundo com recursos por vezes limitados. A vulnerabilidade ao adoecimento varia de pessoa para pessoa e depende de fatores internos e externos. Existem pessoas com alta tolerância ao estresse e pessoas que adoecem diante de uma pressão mínima. Pode-se entender, assim, que o burnout é um estado de estresse ocupacional que se tornou crônico, mas que deriva de uma experiência subjetiva em que o professor é tomado por diversos sentimentos e atitudes de cunho negativo/pessimista, prejudicando sua vida social, profissional e afetiva.

Além do burnout, quais outros quadros podem ser desencadeados como efeitos da sobrecarga de trabalho no psicológico do profissional?

Inicialmente ressaltei que, antes da pandemia, 5% da população era acometida pela depressão. Entre os professores, esse número estava em 12%. A pandemia e as demandas que ela fomentou certamente potencializaram sentimentos negativos que ampliaram esse quadro. A sobrecarga de trabalho, as cobranças da escola e das famílias, bem como a auto exigência dos próprios professores em relação ao seu trabalho, estão na raiz da ansiedade que esses profissionais apresentam. A ansiedade relaciona-se diretamente à expectativa, esta, por sua vez, altera tanto as nossas emoções que nos coloca em uma situação de instabilidade. Cobramos de nós algo que está além das nossas possibilidades no momento – não por uma questão de incapacidade, mas sim por uma condição de limite – faz com que tenhamos que lidar com a frustração daquilo que não conseguimos realizar.

Ao observar quais sintomas é necessário procurar ajuda médica?

O estresse se torna uma questão de saúde mental quando o sujeito passa a apresentar alguns sintomas, como falta de apetite, hipertensão arterial, insônia, desânimo e fadiga. A ansiedade se torna disfuncional quando começa a atrapalhar a produtividade e a trazer sofrimento pelo descompasso entre o real e o imaginário, haja vista que muitas vezes ficamos ansiosos por possibilidades, por expectativas negativas que criamos, por um futuro que talvez nunca venha a acontecer. Neste caso, a terapia faz-se essencial. Quando os sintomas emocionais não são tratados, o corpo acaba reagindo com sintomas como taquicardia, falta de ar, sudorese, tremores, sensação de tontura, insônia, desequilíbrio gastrointestinal, dores de cabeça e dores no corpo. Esses sintomas, quando agudos, evidenciam que o cérebro está muito comprometido e só a terapia pode não ser suficiente para reduzi-los, diante disso, a intervenção medicamentosa se torna necessária. No que alude à depressão, precisamos ter consciência de que depressão e sofrimento são coisas diferentes. O sofrimento é parte da vida e a escolha que temos não consiste em sofrer ou não, mas em como lidar com o sofrimento quando nos deparamos com ele. Segundo o Manual Diagnóstico dos Transtornos Mentais (DSM 5), sintomas como humor deprimido, perda de interesse, alterações no apetite ou no peso, distúrbios do sono, retardo ou agitação psicomotora, fadiga ou perda de energia, sentimento de inutilidade, culpa ou fracasso, dificuldade de concentração e na tomada de decisões, pensamentos de morte ou ideação suicida, quando persistem por mais de duas semanas com prejuízos na vida social e/ou ocupacional podem configurar um transtorno depressivo. Sendo assim, precisamos estar atentos para que possamos buscar acompanhamento médico e psicológico.

De forma prática, como os professores podem aproveitar este final de férias para fortalecer a saúde mental?

Esse é o momento de recarregar as energias e se preparar para um novo ano de trabalho. Portanto, cada professor deve buscar estar em contato com aquilo que lhe traz bem-estar, de acordo com as possibilidades que tem. Deixe para focar nas atividades acadêmicas assim que retornarem, dirija sua atenção neste momento para aquilo que lhe traz satisfação e lhe permita descansar o corpo e a mente. Estabeleça seus objetivos para esse novo ano, não só em termos de trabalho, mas de realização pessoal e organize as metas que lhe permitirão alcançá-los. Tenha em mente que não é possível prever ou controlar aquilo que virá, essa necessidade de controle é o que, muitas vezes, gera em nós angústia e ansiedade. Precisamos ter resiliência para lidar com as situações conforme elas se apresentam, sem sofrer por antecipação ou pelas próprias expectativas negativas que criamos. Quando retornar ao ambiente escolar, esse professor precisa encontrar um cenário que lhe dê segurança e estabilidade, em que ele se sinta amparado e feliz, pois, ainda que a docência seja um trabalho exaustivo, pode ser imensamente gratificante.

Agora sobre o momento de volta às aulas, por conta do grande número de alunos e salas, é comum os professores levarem trabalho para casa. Mas é possível lidar com o trabalho “extraclasse” de forma saudável?

Em relação ao trabalho extraclasse, creio que a primeira coisa que precisamos trabalhar seja a aceitação, haja vista que ele é parte fundamental da docência. Ser professor exige dedicação na preparação das aulas, bem como tempo para elaboração e correção de provas e atividades, só dessa forma será possível identificar as necessidades e desenvolver as potencialidades de cada aluno. Contudo, é importante estabelecer limites, ter um tempo direcionado a isso na sua rotina para que essa atividade não se estenda, afetando e prejudicando outras áreas como o lazer, o autocuidado e as relações sociais. Responda mensagens de trabalho em seu tempo determinado para o trabalho e no seu momento de lazer opte por fazer atividades que lhe sejam prazerosas. Isso parece tão simples e óbvio, mas grande parte dos professores têm dificuldade em estabelecer esses limites e acabam levando a escola não apenas para dentro de suas casas, mas para suas famílias, para a mesa do jantar, para a cama. Em relação à escola, cabe a ela estabelecer uma comunicação eficaz com o professor, sendo espaço de acolhimento e escuta, para que essa carga não seja excessiva. Mais uma vez reforço a importância do suporte escolar com o professor, para que assim ele tenha condições físicas e psicológicas para

Nós, enquanto sociedade, podemos colaborar com a saúde mental de outras pessoas?

Podemos e devemos. Nosso papel enquanto coletividade consiste em olhar além de nossas próprias necessidades. Em primeiro lugar, devemos desconstruir interpretações superficiais e não ignorar os sinais que nos são apresentados. É preciso entender que os transtornos depressivos, bem como os transtornos de ansiedade, são doenças neuropsiquiátricas, o cérebro dessas pessoas é diferente em termos de estrutura e função, o que evidencia que essas doenças são tão reais quanto qualquer outra que atinja nossa saúde física. Além disso, está dentro de nossas possibilidades acolher o sofrimento dessas pessoas, evitar comparações, ser tolerante com seus limites e dificuldades, ouvir efetivamente, sem julgar o que elas sentem ou seus motivos e não as reduzir a uma condição de inferioridade. Essas estratégias expressam cuidado e respeito. Contudo, não podemos esquecer que somos limitados em nossa possibilidade de ação e, portanto, precisamos orientar as pessoas que se encontram em sofrimento emocional a buscar ajuda especializada, desmistificando o preconceito em relação à terapia e à medicação.  

6 estratégias que podem ser usadas para preservar a saúde mental

Quando o nosso corpo está cansado, normalmente precisamos dormir para recuperar as forças. Mas e quando é a mente que está precisando de um tempo? Como pausar os pensamentos frenéticos, as preocupações diárias e o medo do amanhã? A psicóloga sugere estratégias para preservação e manutenção da saúde mental:

  1. 01

    Preste atenção em quais são as suas demandas, cada indivíduo é único e tem necessidades específicas, avalie o que faz sentido para você. 

  2. 02

    Desenvolva estratégias para lidar com o estresse e a ansiedade e, se você não estiver conseguindo administrá-los sozinho, procure ajuda de um especialista.

  3. 03

    Tenha uma rotina e inclua nela atividades que sejam prazerosas. Por vezes, ficamos tão reféns do trabalho – sobretudo os professores com jornadas duplas ou triplas –, que não conseguimos encontrar espaço para o autocuidado, ele é essencial para preservar nossa saúde mental. 

  4. 04

    Seja generoso consigo mesmo reconhecendo e aceitando as suas limitações, tem dias em que não estamos bem e não há nada de errado com isso. 

  5. 05

    Estabeleça metas diárias e realistas, foque em suas habilidades e potencialidades, canalize sua energia para aquilo em que você pode fazer algo a respeito.

  6. 06

    Reforce os vínculos sociais com as pessoas que lhe são significativas e compartilhe experiências, distanciamento físico não precisa ser distanciamento emocional. Nesse momento, os nossos laços afetivos são de fundamental importância, especialmente para quem se encontra em sofrimento emocional. A maior fonte de bem-estar e felicidade é a qualidade das nossas relações. 

* Wendy Segantim é especialista em Neuropsicologia e Terapia Cognitivo Comportamental e pós-graduada em Psicologia Fenomenológico-Existencialista e Psicologia do Esporte

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