Jornadas começam com um primeiro passo. Para se cumprirem, precisam de muitos outros.
Por Daniela Caldeirinha
O Inep lançou na semana passada o resultado da pesquisa Alfabetiza Brasil, que define o que se considera uma criança alfabetizada ao final do 2º ano do Ensino Fundamental no país. Trata-se de um passo importantíssimo para reverter o cenário crítico que enfrentamos na alfabetização. O critério deve servir de base para que a União, estados e municípios desenhem, implementem e aprimorem suas políticas de alfabetização com diagnósticos e metas mais precisos.
São duas dimensões: a pontuação no Saeb, prova nacional realizada a cada dois anos com crianças do 2º ano em todo o país – e que marca a distribuição entre os alunos alfabetizados ou não –, e a definição de quais habilidades e competências são características de uma criança alfabetizada no Brasil. Em termos de avaliação, ficou definido o corte em 743 pontos para classificar os alunos. Em termos de formulação, reproduzo abaixo, o texto divulgado pelo INEP.
“Os estudantes estão alfabéticos quando leem pequenos textos formados por períodos curtos e localizam informações na superfície textual. Produzem inferências básicas, com base na articulação entre texto verbal e não verbal, como em tirinhas e histórias em quadrinhos. Escrevem ainda, com desvios ortográficos, textos que circulam na vida cotidiana para fins de uma comunicação simples: convidar, lembrar algo por exemplo.”
“Os estudantes são leitores/escritores iniciantes, que interagem de forma mais autônoma principalmente com textos que circulam na vida cotidiana e no campo artístico literário, em práticas de leitura e escrita características do letramento escolar.”
A formulação que a pesquisa traz é um avanço, sem dúvida. Ela é concreta, oferece exemplos e cria base para a discussão que precisa ser realizada no país. Apesar de concreta, porém, ela é pouco específica e demanda aprofundamento para cumprir seu papel. Não detalha, por exemplo, qual o tipo de textos e de complexidade devem ser lidos pelas crianças de 2º ano. Que tipos de desvios ortográficos são esperados nesta etapa ou o que significa um leitor iniciante.
Trazer medidas que materializem essas habilidades é central para orientar decisões e insumos que apoiem os professores em sala de aula. O muito aguardado Compromisso Nacional pela Alfabetização deve trazer uma série de diretrizes e incentivos para estados e municípios e essas informações serão necessárias. É esperado que o Ministério da Educação (MEC) apoie estados e municípios para que estes tenham materiais didáticos complementares focados em alfabetização, por exemplo. Que tipos de textos devem compor estes materiais? Quão curtos ou longos, com quais critérios para a escolha das palavras ou estrutura das frases? Outro exemplo está no tema da avaliação em si: quais avaliações são capazes de mensurar se as crianças alcançaram o pleno desenvolvimento das habilidades descritas na formulação divulgada pelo Inep?
Outro aspecto não menos importante é a falta de um olhar focado na Matemática. Como escrevem Ernesto Martins Faria e Katia Smole em artigo no Estadão (aberto no Portal Terra), “não priorizar matemática nos anos iniciais do ensino fundamental é não combater desigualdades educacionais importantes”. Eles lembram que “estudos avançados de neurociências têm demonstrado o potencial do pensamento matemático para construção de estruturas cerebrais que apoiam a alfabetização em língua materna e vice-versa”.
O que temos então é um importante primeiro passo. E é assim mesmo que começa uma jornada. A janela de oportunidade que temos adiante, para dar os tão necessários passos seguintes, não pode ser perdida. O Compromisso pela Alfabetização tem essa chance de aproximar o ponto em que estamos do ponto de chegada que almejamos – aquele em que todas as nossas crianças estarão alfabetizadas ao final do 2º ano do Ensino Fundamental.
Mais sobre a pesquisa Alfabetiza Brasil
A pesquisa foi feita em duas etapas. Entre 15 e 23 de abril deste ano, Inep e MEC consultaram professoras das cinco regiões do país para coletar informações sobre as competências que caracterizam um aluno efetivamente alfabetizado, a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Em seguida, em maio, cerca de 20 especialistas em educação debateram as informações coletadas na primeira etapa e analisaram aspectos técnico-pedagógicos para, enfim, indicarem a linha de corte nacional da alfabetização.
Os dados mostram que, em 2021, 56,4% dos estudantes do 2º ano do Fundamental não estavam alfabetizados.