Conteudo Cabeçalho Rodape
5 julho 2023 | 17h00

Manifestação da Fundação Lemann sobre decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos

Na última semana, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que as ações afirmativas raciais, que vêm sendo adotadas há anos por universidades americanas, serão consideradas inconstitucionais a partir de agora. A Fundação Lemann lamenta a decisão, que tornará ainda mais difícil o acesso de estudantes negros, indígenas e hispânicos ao ensino superior naquele país. A decisão vai na contramão do que acreditamos. 

A equidade racial é foco prioritário e transversal a todas as frentes de impacto da Fundação Lemann. Acreditamos que ela é condição na busca por um mundo mais justo, desenvolvido e com mais oportunidades para todas e todos.  

Diante desta triste notícia, reforçamos nosso compromisso com brasileiras e brasileiros – especialmente pessoas negras e indígenas – que já estudam em universidades nos Estados Unidos ou que estão trilhando jornadas de preparação para candidaturas nesses espaços. Atuaremos com ainda mais empenho e energia sobre soluções para aumentar a diversidade de  estudantes que pleiteiam bolsas de estudos no exterior.

A decisão da Suprema Corte Americana desperta muitas dúvidas, mas estamos convictos de que a diversidade com inclusão, oportunidades e ambientes de acolhimento, pertencimento e diálogo fazem do mundo um lugar melhor. Estes, inclusive, são valores que compartilhamos com as universidades parceiras, dentre as quais estão Harvard, Stanford, Columbia e MIT.

A cada ano, a Fundação Lemann fortalece ainda mais as ações afirmativas nos seus programas voltados a estudantes brasileiros que sonham em estudar fora, assim como aprimora sua própria composição e atuação por meio de parcerias, diálogo e aprendizado com outras organizações dedicadas ao tema.

Com objetivo de ampliar os perfis raciais de quem faz pós-graduação no exterior, promovemos, por exemplo, o Programa Alcance, focado na preparação e apoio de estudantes negros e indígenas para candidatura, entrada e permanência nessas universidades. Também mantemos parceria com universidades americanas para ofertar bolsas de estudo exclusivas para brasileiras e brasileiros, priorizando sempre a diversidade racial, econômica, regional e de gênero. E ainda, para brasileiras e brasileiros estudando em algumas das melhores universidades no exterior, o programa Brasil on Campus da Fundação Lemann possibilita oportunidades acadêmicas, de trabalho e de conexão com o objetivo de potencializar suas carreiras e engajá-los em temas de interesse público do Brasil.

Sabemos que isso é apenas o começo de uma trilha de aprendizagem, reflexão, planejamento e ação para garantir que a pauta da equidade racial ganhe mais profundidade e consistência dentro da gestão da nossa organização, e de tantas outras instituições e governos. O primeiro passo nós já estamos dando, que é o de reconhecer o problema, além de aprender e nos somar a movimentos e organizações que já estão há muito mais tempo à frente dessa agenda.

Para além dos impactos diretos para quem estuda ou quer estudar fora, a decisão da Corte Americana também nos alerta e convoca para a necessidade de um debate mais intencional e aprofundado no Brasil em torno da defesa, dos avanços e do aprimoramento da Lei de Cotas. Sancionada em 2012, a lei está em fase de revisão no Congresso Nacional e sob risco de retroceder diante de grupos contrários a ações afirmativas raciais.

Por aqui, a Lei de Cotas ampliou o ingresso de pessoas negras e indígenas a universidades e institutos federais, transformando inúmeras vidas por meio do acesso à educação e à ciência. Esse direito é uma conquista dos movimentos sociais, que têm atuação histórica, trazem senso de urgência para a pauta racial e qualificam o debate público.

As mudanças promovidas pelas ações afirmativas no Brasil são expressivas e nos impulsionam para frente como sociedade. Um estudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) mostra que não há diferença de desempenho acadêmico ou de frequência entre alunos cotistas e não cotistas. Segundo outra pesquisa, realizada pelo site Quero Bolsa, com base nos dados do Censo da Educação Superior de 2019, com a implementação da política de cotas, o número de negras e negros nas universidades cresceu quase 400% entre 2010 e 2019. Os estudantes chegaram a representar 38,15% do total de matriculados.

Mas precisamos avançar mais. A profunda desigualdade racial que temos no Brasil é demonstrada cotidianamente nos mais diversos setores. Isso também é visível na educação e no acesso ao ensino superior. São muitas as evidências que demonstram o impacto dessa desigualdade na trajetória educacional da população negra e indígena, com prejuízos profundos para toda a sociedade.

A responsabilidade da construção de um sistema de educação mais justo e diverso deve ser compartilhada entre academia, governos e sociedade civil para que cada aluno e aluna tenha a chance de atingir o seu pleno potencial.  Assim, podemos alcançar transformações de impacto positivo no mundo por meio do que mais acreditamos: as pessoas. Neste momento, é de fundamental importância unir esforços de todas e todos os que têm compromisso com uma educação alicerçada na busca pela equidade racial e  incentivar que muitos outros se juntem também a essa jornada.

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