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4 setembro 2023 | 00h00

Os impactos da pandemia no potencial humano – e como avançar

Por Daniel de Bonis

“Assim como outros países, o Brasil tem muitos desafios quanto ao potencial humano – e a  pandemia teve um efeito devastador sobre isso.” A afirmação é do economista-chefe para Desenvolvimento Humano do Banco Mundial, Norbert Schady. Ao lado de Joana Silva, também economista do Banco Mundial, e de Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, ele participou do Fundação Lemann Convida, segunda edição do evento que reúne especialistas, pesquisadores e figuras de destaque em suas áreas para debater assuntos relevantes para o desenvolvimento do país. Desta vez, o tema era justamente o investimento no potencial humano do Brasil.

Se o desenvolvimento no potencial humano é um desafio global, Schady destaca que, para os países em desenvolvimento, a situação se agravou na pandemia. No Brasil, tivemos quedas imediatas nos resultados educacionais, já historicamente baixos, uma consequência do longo fechamento das escolas no país. Por aqui, foram perdidas 60 semanas; a média global, entre março de 2020 e março de 2022, foi de 37 semanas perdidas de ensino presencial. Estes dados estão no estudo do Banco Mundial “Colapso e recuperação: Como a pandemia de Covid-19 deteriorou o capital humano e o que fazer a respeito”.

Mais que isso, o impacto da pandemia pode ter consequências que ainda se revelarão com o tempo. Como mostram dados colhidos em Bangladesh, a perda de aprendizado no período não se limita ao conteúdo esperado para o ano letivo, mas inclui também conteúdos aprendidos no pré-pandemia, mas que se perderam com todo o período de afastamento da escola. Se nada for feito, a falta de conceitos elementares pode ter um efeito cascata no desempenho deste coorte de estudantes daqui por diante, com quedas ainda mais acentuadas no desempenho das avaliações nos próximos anos.

Para além da recuperação destes resultados – que é certamente possível, uma vez adotadas as políticas certas –, o Banco Mundial alerta que construir sistemas e políticas resilientes a choques como a pandemia de Covid-19 deveria ser uma prioridade central para os governos do século 21, em especial nos países em desenvolvimento. E a Covid-19 muito provavelmente não será o único choque ao potencial humano neste século. Da mesma forma que a interconectividade global em nosso tempo aumentou a probabilidade de novas pandemias, para as quais devemos estar mais preparados do que estávamos em 2019, o aquecimento global já vem impactando de forma disruptiva o desenvolvimento humano em diversas frentes, uma tendência que pode acelerar nos próximos anos.

Estudo inédito do Banco Mundial comentado por Norbert Schady e Joana Silva no nosso encontro mostra como esse efeito está mais próximo do que imaginamos. A partir de um cruzamento entre dados de temperatura local em municípios brasileiros com dados de desempenho dos estudantes no SAEB, é possível verificar que em localidades com temperaturas médias maiores que 30 graus, o acréscimo de um grau centígrado se traduz diretamente em quedas de desempenho, mais significativas quanto mais quentes esses locais. 

Dado esse cenário, o que fazer? As recomendações do Banco Mundial se baseiam em intervenções com evidências robustas de sucesso na superação dos desafios de potencial humano no mundo. Em educação, uma delas é a aplicação de metodologias testadas de recomposição de aprendizagem, como o Teaching at the Right Level (TaRL), criada pela ONG indiana Pratham e aplicada no Brasil pelo Instituto Gesto, com apoio da Fundação Lemann. Além disso, o Banco considera muito importante criar roteiros de priorização dos conteúdos para garantir a cobertura dos conceitos essenciais do currículo, como tem feito no Brasil o Instituto Reúna por meio dos Mapas de Foco da BNCC. Além disso, sistemas de políticas públicas deverão mais ser integrados e flexíveis para ampliar sua capacidade de absorver novos choques.

Nos anima também observar, a partir de dados dos programas apoiados pela Fundação Lemann, que é possível recuperar as perdas de aprendizagem na prática: em dois estados que participam da Parc (Parceria para Alfabetização em Regime de Colaboração), em que avaliações de fluência leitora foram aplicadas antes e depois da pandemia, a queda no número de alunos fluentes em 2021 já foi recuperada em 2022, retornando aos níveis de 2019, um resultado do trabalho estruturado e intencional com os primeiros anos do Ensino Fundamental. 

Embora a agenda da recomposição das aprendizagens não tenha ainda alcançado um alto nível de prioridade nas três esferas de governo no Brasil, tivemos uma excelente sinalização na semana passada, com aassinatura de um protocolo de intenções pela recomposição das aprendizagens pelo Ministério da Educação (MEC), Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), durante o XII congresso da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abave), em Campinas. Esperamos que seja o primeiro passo para a construção de uma agenda ambiciosa para endereçar o impacto da pandemia no aprendizado dos nossos alunos.

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