Conteudo Cabeçalho Rodape
19 julho 2022 | 15h00

Uma visão de escola para a adolescência

Quem convive com um adolescente certamente já ouviu ou falou a frase “espera que passa”, se referindo à necessidade de ter que lidar com os anseios e complexidades dessa fase da vida. Escolhemos olhar para a adolescência quase como um “mal necessário”, uma etapa de transição, que com um pouco de sorte e muita paciência vai passar sem muitos traumas. E é com essa mesma postura que muitas vezes olhamos para os anos finais do ensino fundamental, a etapa da educação básica que vai do 6º ao 9º ano, espremido entre os anos iniciais, com seu grande foco na alfabetização, e o Ensino Médio, com sua preparação do estudante para a vida e o mercado de trabalho. Os anos finais ficam ali, no meio do caminho, em banho maria, como quem diz: “uma hora passa”. 

O resultado disso é uma jornada que não promove o aprendizado adequado dos estudantes, assim como acentua desigualdades e deixa muita gente pelo caminho. Em 2019, último dado do SAEB que temos disponível, apenas 18% dos estudantes das escolas públicas concluíram o 9º ano com aprendizado adequado em matemática. Entre alunos pretos, esse número é ainda mais baixo, de 12%. Isso entre os que chegam até o final desta etapa na idade adequada, já que um terço deles só chega lá depois dos 14 anos de idade. E 1,2 % de todos os estudantes sequer chegam a completar a etapa. E sabemos que a pandemia ampliou e aprofundou as defasagens e desigualdades, ameaçando aumentar ainda mais o abandono da escola. 

Assim como a adolescência, os anos finais carregam seus próprios desafios. Os alunos chegam ainda crianças, aos 10 anos de idade, acostumados a interagir com um ou dois professores na escola, que muitos ainda chamam de “tia”, inclusive, pelo vínculo e proximidade. Passam para uma realidade muito diferente, com múltiplos professores e com o tempo e o acesso ao conhecimento compartimentados em pequenas partes. Ao longo dos anos seguintes, a escola precisa lidar com um estudante em plena transformação - social, emocional e cognitiva. Ansiedade, desinteresse, bullying, insegurança, agressão e comportamentos de risco como automutilação, entre outras situações nada incomuns na rotina de professores e gestores que, muitas vezes, não possuem qualquer tipo de preparo, protocolo e suporte para isso. 

Contudo, da mesma maneira que a adolescência é repleta de desafios, ela também carrega em si um enorme potencial. É a segunda etapa de maior plasticidade cerebral de nossas vidas, depois da primeira infância, em que nosso cérebro está mais aberto a expandir, aprender coisas novas, viver novas experiências e ampliar nossa visão de mundo. É uma etapa de construção de identidade, de plena interação social e estabelecimento de vínculos que muitas vezes vão durar para a vida inteira. É exatamente esse potencial que nossas escolas precisam aprender a aproveitar, surfar nessa onda de hormônios e construir experiências de aprendizagem que sejam profundas, ativas e significativas para esses estudantes. 

É chegada a hora de termos um olhar intencional para essa etapa. De pensarmos e construirmos uma escola que alavanque todo o potencial da adolescência. Que leve em conta o ponto de partida de cada estudante, seu contexto e conhecimento. Que seja um campo fértil para a construção de relacionamentos saudáveis e resolução de conflitos e que crie situações em que o adolescente seja levado a fazer escolhas, exercitar seu protagonismo e assumir responsabilidades. 

Essas escolas já existem, estão espalhadas pelo Brasil, são exemplos locais fruto de professores e gestores visionários, altamente comprometidos e, acima de tudo, humanos.  Este é um convite para que possamos aprender com eles e, assim como o Ceará fez com os anos iniciais, e Pernambuco com o Ensino Médio, possamos criar uma política pública que alavanque todo o potencial dos nossos adolescentes e que sustente um novo modelo de escola para garantir o direito a uma aprendizagem de qualidade para todos os 12 milhões de estudantes brasileiros desta etapa, na idade certa e com equidade. 

Lucas Rocha, Diretor de Projetos da frente de Fundamental II

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