"A educação não vai bem, mas é possível mudar este cenário"
Senso de urgência, foco na aprendizagem, Base Nacional Comum Curricular e eleições
"A educação no Brasil não vai bem. Todos os dias, milhões de crianças estão na escola, mas não estão aprendendo. A triste constatação se comprova com os dados de mais um ciclo de resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Combinado à taxa de aprovação dos estudantes nas redes de ensino e nas escolas, o Saeb é o principal componente do Ideb, o índice usado para medir a qualidade e os avanços da educação no país.
Os dados divulgados esta semana pelo Instituto Nacional de Pesquisa Educacional Anísio Teixeira (Inep) e referentes a 2017 apontam que, em comparação com a última edição, de 2015, a aprendizagem no ensino fundamental e médio continua praticamente sem avanços.
Entretanto, se resumidos a resultados de avaliação, esses dados contribuem pouco para gerar avanços e acabam servindo apenas à manutenção de discussões especializadas e fechadas em si mesmas.
Para que sejam úteis, importa lançar luz ao que essas evidências querem dizer na vida prática de milhões de brasileiros, na dinâmica social e coletiva do país. Se olharmos, por exemplo, os resultados de aprendizagem considerando as diferenças socioeconômicas, percebemos que os alunos mais pobres —tanto na rede pública quanto na privada— continuam apresentando um desempenho mais baixo em todos os níveis de ensino.
Essa desigualdade no aprendizado é de 50 pontos, em média. É como se, ao final da vida escolar, os estudantes mais ricos aprendessem o equivalente a quatro anos a mais que os mais pobres, embora tenham frequentado a escola pelo mesmo tempo. Assusta, mas é preciso deixar de lado o espanto e o alarmismo para, de maneira responsável, nos comprometermos todos com a correção dessa rota que anuncia colisão.
É possível mudar o cenário. Um grande passo nesse sentido é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), construída com enorme esforço em um processo iniciado em 2013 e que pode ser considerada uma das primeiras políticas estruturantes da garantia do direito à aprendizagem para todos.
Ela aponta para os jovens que queremos formar e indica o conjunto de conhecimentos e competências que todos precisam aprender. Por isso, além de ser comemorada, deve ser implementada com responsabilidade. As etapas da educação infantil e do ensino fundamental foram aprovadas em 2017, e a BNCC do Ensino Médio, que merece especial atenção, está atualmente em discussão no Conselho Nacional de Educação.
A crise de aprendizagem no Brasil só será resolvida quando todos estiverem apostando na própria aprendizagem como prioridade. É com educação de qualidade e para todos os alunos que iremos voltar a sonhar com um país mais justo e desenvolvido.
Enquanto redes inteiras se mobilizam para a implementação da base do ensino fundamental, os dados da avaliação do Saeb apontam algumas redes que podem servir de inspiração. Há caminhos promissores já sendo trilhados Brasil adentro. Agora, é preciso fazer deles regra e não exceção.
O ciclo eleitoral em curso precisa trazer em si a urgência da garantia dos direitos de aprendizagem. É impossível prometer compromisso com cada brasileiro sem, de maneira concreta e objetiva, colocar a educação como prioridade. E não se trata de qualquer educação.
Precisamos de projetos políticos com objetivos claros e transparentes em direção à qualidade e à equidade, baseados em evidências e sem simplismos. Desafios complexos convocam ações profundas e em diálogo com toda a sociedade e com os profissionais da educação, em todos os níveis. Um Brasil que cuida e investe no potencial de seus alunos é a única maneira de formar pessoas que acreditam e também investem neste país."
Por Denis Mizne (diretor-executivo da Fundação Lemann) e Camila Pereira (diretora de Educação
Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo