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9 novembro 2021 | 00h00

Dá pra alfabetizar usando tecnologia? Claro que dá!'

Tatiana Costa, de Assis (SP), mostra como tecnologia e afeto com os pais foram as chaves no processo de alfabetização de seus estudantes<br>

Alfabetizadora há 18 anos, a professora Tatiana Carneiro Poleto da Costa, de Assis, interior de São Paulo, se viu diante de uma situação, até então, inédita na vida docente: alfabetizar crianças com quem ela nunca se encontrou pessoalmente. Desafio que não foi uma escolha sua, mas consequência do contexto da pandemia de coronavírus. 

Como todo campo desconhecido para todos os envolvidos (pais, alunos e professores), o início veio cheio de ansiedade. Ninguém sabia ao certo como isso ia funcionar, sem contar todos os problemas pessoais familiares dos alunos, com situações muito diversas: pais que ficaram desempregados, outros que tiveram que aprender a trabalhar de casa e ainda aqueles que, por falta de alternativa, se expunham ao perigo de contaminação para manterem seus empregos. 

Pela primeira vez, Tatiana conheceu alunos e pais pelo Whatsapp. "Fui ligando individualmente para fazer uma sondagem inicial diagnóstica da turma, do que os alunos já sabiam e, ao mesmo tempo, conversando com os pais sobre como lidar com esse processo com os pequenos", conta. Claro que ela já imaginava dificuldades pontuais nesse segundo ano de pandemia, já que em 2020 toda a situação ainda era muito nova e foi muito difícil para muitas famílias se adaptarem a outra modalidade de ensino que não fosse presencial. "Além de demandar uma outra organização da família, e cada um estava fazendo o melhor que podia, os pais não possuem esse conhecimento didático ou como se dá o processo de aprendizagem para saber como auxiliar os filhos, ainda mais no processo de alfabetização, que demanda mais atenção e supervisão", avalia.

Empatia para ensinar os alunos e orientar os pais

A professora viu, então, que não era necessário apenas um acompanhamento dos alunos, mas uma atenção especial aos pais e responsáveis pelos estudantes. Como viu que a transmissão de atividades tendo apenas o texto para auxiliar não estava sendo suficiente, Tatiana decidiu usar outros recursos para auxiliar pais e alunos, tentando trazer mais alunos para uma participação mais efetiva. Primeiro, deixou a timidez de lado e começou a gravar vídeos, como se fossem pequenos trailers de filmes, para criar uma expectativa para o que seria aprendido. 

Depois, assumiu a veia youtuber e passou a gravar vídeos sobre o conteúdo sempre usando uma linguagem que a criança consegue ouvir e entender, adicionando perguntas e outras informações (visuais, como emojis) que instigasse os pequenos. Começou a usar a plataforma virtual para treinar a observação à reação dos alunos, algo que era quase automático presencialmente. Também enviava mensagens de áudio pelo Whatsapp simulando conversas com a turminha. "E sempre pedia alguma coisa para os encontros na plataforma que gerasse participação e aos poucos o número de alunos frequentes nesse encontro foi aumentando", relembra. 

Parte da turminha em encontro síncrono pela internet (Crédito: Tatiana Costa)

Mas para a estratégia dar certo, era necessário que os pais também estivessem engajados, já que o acesso à plataforma de atividades, em sua maioria, se dava de forma supervisionada. Tatiana começou, então, a gravar conteúdos direcionados aos responsáveis. "Comecei a orientá-los, explicando as atividades, o que poderia acontecer, como eles poderiam atuar orientando as crianças, como lidar com o erro das crianças de forma a estimular a aprender através daquele erro. Tudo isso foi amenizando um pouco a ansiedade e dificuldade daqueles adultos", avalia.

Print dos vídeos que Tatiana enviou aos pais para orientá-los em como participar das atividades com as crianças (Crédito: Tatiana Costa)

E Tatiana tem razão. Andressa Paim, mãe do João Felipe, de 6 anos, relata que aprendeu muito nesse processo e que só assim foi possível ver o filho deslanchar esse ano. "Ano passado foi muito difícil. Parece que ficou tudo meio estacionado. Nesse ano tive a felicidade de ter como professora e mentora a professora Tatiana, que indicou meus erros e acertos, os vídeos dela são excelentes. Foi bem difícil no começo, mas graças a ela estamos muito bem agora", comemora Andressa.

João, 6 anos, mostra atividade que fez sob supervisão da mãe, Andressa (Crédito: Andressa Paim)

Uma via de mão dupla

Claro que esta é uma via de mão dupla. É preciso que se forme uma parceria entre responsáveis e escola para que isso aconteça. "Acolhimento e afeto são fundamentais. Não basta só dizer para os pais que eles precisam estar ali e ajudar as crianças. É preciso acolher. É preciso ajudar na tarefa, mudar o tom. Se a criança some, entrar em contato não para cobrar, mas perguntar se está tudo bem com a criança, tudo bem com a família. Se antes esse afeto era importante, agora é fundamental", salienta Tatiana. De uma turma de 28, em que 10 não eram presentes, Tatiana conseguiu resgatar sete. "Muitas famílias estão enfrentando dificuldades de todas as ordens. A gente tenta o possível ao perceber isso. Mas nem sempre conseguimos", desabafa. 

E essa vida de professora à distância gera até mesmo situações inusitadas, com perguntas que Tatiana nunca tinha se deparado na sua vida de docente. "Além de produzir material, algumas vezes indiquei outros vídeos no YouTube para eles assistirem. Em uma semana em especial que não tinha mandado nenhum vídeo meu, uma aluna veio perguntar: 'Tia Tati, porque hoje não tá falando oi, galerinha!', que é como normalmente começo saudando a turma. Eles reparam em tudo", se diverte lembrando. 

Para a professora, que recentemente assumiu um cargo de coordenação em outra escola, fica o aprendizado da turma de alfabetização. "Levo comigo tudo que consegui aprender para auxiliar, agora, outros colegas. Já estou fazendo sondagem ligando para todos os alunos e responsáveis para conversarmos e fazermos esse trabalho de acolhimento", conta. E assim segue uma corrente do bem, com elos de empatia muito seguros.

Dicas da Prof Tati

  1. 01

    Teste formatos: só mandar as atividades por texto não está funcionando? Teste outros formatos. Áudios no whatsapp e vídeos para instruir pais e alunos podem dar bons resultados para engajamento nas atividades. Algumas vezes, a combinação de todos (com um indicando o próximo passo no outro) é uma boa alternativa.

  2. 02

    Faça uma sondagem: não apenas da aprendizagem, mas para buscar conhecer a realidade da turma. Conheça os limites (até em termos de acesso à tecnologia) dos alunos e dos pais para planejar a melhor abordagem.

  3. 03

    O simples é a resposta: você está há anos em sala de aula. Sabe como falar com os alunos, como dialogar com os pais. Teste essa mesma abordagem pedagógica em vídeo, registrando o seu ponto forte. Muitas vezes é preciso deixar a timidez de lado, mas o que é uma câmera perto das centenas (ou milhares) de alunos que já passaram pela sua frente, não é mesmo? Use esse seu ponto forte a favor. Fale com sinceridade e use toda a didática que você sabe.

  4. 04

    Mantenha registros: se em tempos de normalidade os registros sobre os estudantes são importantes, agora eles se tornam ainda mais fundamentais. Registre não só as atividades feitas, mas as particularidades de cada aluno, a evolução que você percebe, as dificuldades que vão ficando mais aparentes. Esse pode ser um instrumento importante no desenvolvimento das atividades e na continuidade do trabalho no próximo ano, para o próximo docente. 

  5. 05

    Atividades de incentivo: já existem muitos estudos sobre uso da gamificação no ensino. Use isso como modo de engajamento e incentivo, sempre de forma positiva. A profe Tatiana fez isso com o quadro de incentivo concedendo estrelas por atividade feita e, mesmo que o aluno tenha concluído apenas uma, está lá o parabéns e o incentivo para que no próximo período consiga ainda mais. Isso funcionou na turma dela e aumentou a participação quase da totalidade da turma. Esta é uma mecânica que pode ser adaptada a outros formatos e realidades.

Leia mais sobre o assunto

  • Tatiana, nessa trajetória, está colocando em ação as três habilidades para o professor do futuro. Quer saber mais? Clique aqui 

  • A alfabetização foi uma das áreas que mais impacto teve durante a pandemia, como mostram os dados de duas avaliações nacionais. Saiba mais aqui. 

  • Todo o trabalho desenvolvido por Tatiana só foi possível por causa do uso da internet de forma eficaz. Por isso, a Fundação Lemann e Anatel estão compartilhando estudos e atuarão em projetos com o objetivo de conectar todas as escolas públicas até 2024. Veja aqui.

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