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4 março 2022 | 00h00

Professores premiados no Educador Nota 10 contam suas metodologias

Francilda e João Paulo estão entre os vencedores do maior e mais importante prêmio da educação básica brasileira

Você conhece o Educador Nota 10? Criado em 1998 pela Fundação Victor Civita, o prêmio enaltece metodologias de professores e gestores escolares da educação infantil ao ensino médio de escolas públicas e privadas de todo o país. Na semana passada, foram divulgados os dez vencedores da 24º edição (2021), entre eles, Francilda Fonseca Machado (São Bento/MA) e João Paulo Pereira de Araújo (Leopoldina/MG), participantes da Rede Conectando Saberes, com projetos que conseguiram diminuir a distância entre o aprendizado e os estudantes em período pandêmico. 

Enquanto a professora graduada em História e Geografia, especialista em docência do Ensino Fundamental, Médio e Superior e História do Brasil, enxergou nos quintais dos alunos uma fonte de pesquisa, local de aprendizagem e extensão das aprendizagens teóricas; o diretor escolar formado em História e Engenharia de Controle e Automação com especialização em História do Brasil e Educação Tecnológica, estreitou o vínculo entre alunos, escola, gestores e comunidade, comprovando que o sucesso pedagógico é resultado de incontáveis envolvidos.

Explorando o contexto

Usando as alternativas que estavam ao seu alcance, Francilda incentivou seus alunos a explorarem seu entorno para exercitarem os conhecimentos históricos e ampliarem suas aprendizagens através do projeto que batizou de Meu Quintal, Meu Campo de Pesquisa. Segundo ela, o projeto foi uma saída para fortalecer as aprendizagens enquanto o ensino acontecia de maneira remota, já que muitos dos seus alunos moram em comunidades quilombolas, sem acesso à internet. 

Investindo na criatividade, organizou roteiros, explicou conteúdos e propôs atividades de produção, pesquisa e vivências para serem cumpridas no quintal de casa. “O propósito da realização deste projeto para o ensino brasileiro é mostrar que são infinitas as possibilidades de ensinar e aprender mesmo diante de tantas vicissitudes no contexto das escolas públicas brasileiras. Fazer uso do entorno da vida do aluno é tornar a sua própria realidade uma fonte de pesquisa, é a escola ultrapassando seus muros e galgando um espaço tão importante”, detalha.

Tendo o colocado em prática na Escola Municipal Santa Bárbara, localizada em uma comunidade rural a aproximadamente 22 quilômetros de São Bento/MA, o início do projeto aconteceu durante o ensino remoto e permitiu que os estudantes se sentissem mais motivados a participarem ativamente das atividades propostas. E mesmo com a dificuldade na conexão para inúmeros alunos, a professora ofereceu alternativas viáveis a variadas realidades. “As aulas remotas aconteciam com a elaboração de atividades escritas que os pais buscavam e as devolviam na escola, pois os alunos residem em comunidades distantes e sem acesso à internet. Então comecei a estudar as possibilidades de fortalecer as aprendizagens. Desenvolvi roteiros de atividades onde estabelecia um diálogo com o aluno como se eu estivesse presente ali com ele, assim explicava o conteúdo na linguagem dele e propunha atividades de produção, pesquisa e vivências que poderiam ser feitas no quintal de casa e, inclusive, envolver suas famílias”. 

O trabalho aconteceu em “ritmo de descoberta e aventura”, conforme descreve. Para se ter uma ideia, após leituras sobre sítios arqueológicos, a professora solicitou a escavação de vestígios de antigos habitantes. Os alunos demarcaram uma área, improvisaram pincéis e encontraram pedaços de porcelana, restos de sandálias, raízes e rochas. O material chegava à escola trazido pelos pais, que levavam de volta novos roteiros e instruções para os estudantes. Em outro momento, para celebrar o domínio do fogo no período Paleolítico, fizeram uma fogueira com ajuda dos adultos e sentaram-se em volta dela para contar histórias, o que gerou relatos escritos encantadores, coletados por Francilda. 

“O trabalho permitiu que os alunos relacionassem temáticas interessantes na História com as suas vivências cotidianas, por exemplo, as atividades encontradas nas escavações arqueológicas no quintal permitiu que os alunos compreendessem melhor as vivências passadas da localidade. Como a maioria dos povoados de onde os alunos são oriundos são remanescentes quilombolas, a compreensão das fontes é importante para que eles entendam o que mudou e o que permaneceu na sua localidade”, reflete.

Os benefícios do projeto foram notáveis no sistema remoto e posteriormente no formato híbrido, quando continuaram usando materiais alternativos encontrados em casa para tornar as aulas mais significativas. De volta às salas, a turma simulou a escrita dos sumérios com barro e um objeto pontiagudo e escreveu mensagens codificadas com os símbolos do alfabeto fenício. 

Considerando o projeto de possível replicabilidade nos mais diversos contextos, a professora destaca que organizou e separou metodicamente todas as atividades para perceber a individualidade da produção de cada aluno e caso algum aluno não entregasse na data prevista buscava entender qual era o desafio enfrentado e como podia oferecer uma solução tangível. 

“Aprendi que nunca devemos ter medo de tentar e nem devemos nos conformar com as dificuldades e que cada aluno é uma cabeça disposta a aprender, é um sujeito que tem direito a essa aprendizagem e se houver uma possibilidade de oportunizar isso devemos tentar. Aprendi que é possível realizar um projeto de grande impacto sem gastar dinheiro, apenas sabendo usar o quintal de casa. Reforcei a ideia de que a História é incrível e que seu conhecimento é fascinante; que ensinar é a arte de ser a referência de alguém e de fazer desse alguém a sua própria referência”

“Os quintais dos alunos sendo usado como fonte de pesquisa, local de aprendizagem e extensão das aprendizagens teóricas é uma ‘jogada de mestre’ no que se refere a tornar o aluno pró ativo e protagonista, além do envolvimento da família e intensa relação das aulas e o cotidiano dos alunos”. 

Francilda Fonseca Machado (São Bento/MA) 

Escola fechada, educação em movimento

Em Leopoldina/MG, o diretor da Escola Estadual Dr. Pompílio Guimarães, João Paulo, também se viu em uma encruzilhada quando as aulas foram retomadas durante a pandemia de maneira remota. Conhecendo a realidade dos seus alunos, ele e sua equipe sabiam que seria uma tarefa impossível transmitir os conteúdos de forma online. 

“Tínhamos noção que nossos alunos não tinham condições de acessar o material de ensino remoto por meio de tecnologia. Quando falamos de acesso estamos falando não só do aparelho, mas de ter que compartilhar [o aparelho] com outras pessoas da casa ou não ter uma internet boa, não ter um aparelho bom ou não saber fazer uso dele”, frisa o educador que já foi professor e antes disso, um dos estudantes da instituição. “40% dos nossos alunos são da área rural, onde é zero acesso. Os outros 60% estão aqui na comunidade, no distrito de Piacatuba, pertencente ao município de Leopoldina, muitos deles na área periférica com a mesma dificuldade de acesso. Então pensamos que tínhamos que levar este material até a casa destes meninos de porta em porta”. 

Vislumbrando uma solução - que já parecia um tanto desafiadora - não bastava pensar apenas na logística da entrega, mas João Paulo fazia questão que o material chegasse aos alunos acompanhado de dois princípios importantes que cultivam no ambiente escolar: a formação integral e a inclusão. “Depois que decidimos levar o material pensamos em como fazer esta formação integral com a escola fechada, porque aqui não temos tempo integral, mas uma proposta de formação integral. Então uma parte do currículo trabalhávamos com habilidades que a gente considerava prioritárias naquele momento e tínhamos outra parte que trabalhava os saberes do território, competências socioemocionais, o meio ambiente, projeto de vida e essa parte para fortalecer vínculos”, explica e continua, “na questão da inclusão, não falamos apenas dos alunos que possuem necessidades especiais, mas olhar para todo aluno como uma pessoa que carece de atendimento especial, principalmente, naquele momento da pandemia”. 

Com o objetivo de fortalecer vínculos, minimizar as tensões nas famílias, minimizar as tensões para os professores e valorizar outros aprendizados que podiam ser potencializados, a escola liderada pelo educador promoveu ações em diferentes frentes e deu vida ao projeto “Escola fechada, Educação em movimento!”. 

Conforme a descrição do projeto, o fortalecimento do vínculo dos alunos com a escola e a articulação com os pais foram os eixos centrais durante a pandemia. As visitas de gestores e professores para entregar materiais impressos nas casas das famílias ajudaram a entender melhor a realidade de cada um. Os professores contaram com acompanhamento e apoio por causa da pouca familiaridade com a tecnologia e prepararam kits para estudo remoto considerando os diferentes percursos de aprendizagem dos alunos. Estratégias de acolhimento permitiram a cada estudante expressar seus sentimentos em um diário e em retalhos de tecido, auxiliando a todos na superação de tempos difíceis.

"Distribuímos e recolhemos os materiais, conversamos com as famílias, distribuímos kit merenda, criamos ações como Diário da Quarentena, Retalhos da Quarentena, Jardim da Quarentena e Cápsula do Tempo. Assim conseguimos que os alunos ficassem mais engajados no material que produzimos”, conta.

“A ideia do projeto ‘Escola fechada, Educação em movimento!’ surgiu da necessidade do território. A gente quer apenas uma educação que despeje conteúdo curricular no aluno? Qual escola a gente quer? Que aluno queremos formar? Um aluno para vestibular ou um aluno que saiba votar, analisar, empreender, trabalhar, conviver e respeitar? A essência deste trabalho é olhar para o território e ver o que é possível construir com as famílias em conjunto”.

João Paulo de Araújo (Leopoldina/MG)

Sonho e reconhecimento

Entre os 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 (2019), uma das dez melhores iniciativas do Maranhão no Conectando Boas Práticas Conectando Saberes (2019), terceiro lugar do Prêmio Professor Transformador (2020), além de reconhecida no Prêmio Nestlé por Crianças mais Saudáveis (2020) e uma das vencedoras do 1º Prêmio CpE na Sala de Aula (2021), agora, Francilda também sabe como é chegar ao Top 10 do maior e mais importante prêmio da educação básica brasileira.

“Estar entre os vencedores do Educador Nota 10 é viver um sonho real. É uma oportunidade de dar visibilidade às lutas que enfrentam cotidianamente nas escolas públicas e a importância que tem o fazer pedagógico assim como mostrar o poder transformador da educação, que alcança todos os indivíduos envolvidos, o professor transforma o aluno ao tempo que também é transformado e num jogo de vivências e interações, transformam a escola, a comunidade e deixam a sua contribuição na transformação da sociedade, indo além da transmissão de conteúdo, sendo uma constante troca de saberes”.

João Paulo, que já havia ganho o Prêmio Educador Nota 10 na categoria professor em 2013, sabia o quão rigoroso era o processo seletivo e se diz extremamente emocionado por fazer parte da história de sua comunidade, desta vez como diretor. “Participar do processo é muito valoroso. O processo é muito rico e uma experiência única! Ser reconhecido então é a maior conquista que podemos sonhar, claro que primeiro precisamos ser reconhecidos pela nossa comunidade, mas este prêmio é uma conquista gigante, nossa comunidade está muito feliz, esperamos ser inspiração para outras escolas, professores e gestores!”.

Com o projeto “Escola fechada, Educação em movimento!”, a instituição também foi selecionada para participar da Semana Mundial da Educação. “O Prêmio Educador Nota 10 não é do João Paulo, mas de uma escola inteira, de um time, de muitas pessoas! É do motorista da kombi, do pessoal da cozinha, da limpeza, da secretaria, dos professores, da gestão da escola, da coordenação, da regional de ensino, da Secretaria Municipal de Educação que apoiou a gente com o transporte escolar para levar este material, é da comunidade de Piacatuba, é um prêmio que é de todo mundo! Por isso, estamos tão felizes, porque todo mundo se reconhece nesse prêmio”, conclui emocionado.

Dicas para projetos de impacto, de acordo com os professores premiados

  1. 01

    Francilda Fonseca Machado (São Bento/MA)

    Parta do simples e da vivência dos alunos! Não adianta pensar algo que aparentemente seja incrível, mas ser distante da conjuntura da escola e da vida dos estudantes. Desenvolva projetos que envolvam as famílias e a comunidade e que permitam momentos de descobertas até mesmo através de elementos que eles olham todos os dias, mirando os olhos na direção do conhecimento! (Francilda)
  2. 02

    João Paulo de Araújo (Leopoldina/MG)

    Para ser um projeto de impacto, ele precisa ajudar o aluno a aprender com maior eficácia e qualidade! Foque na aprendizagem! E fique atento ao território e ao aluno para ver quais as reais necessidades. (João Paulo)

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