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27 março 2023 | 00h00

Aumentar a representatividade na pós-graduação é construir um futuro mais justo

Por Anna Laura Schmidt

Conheci Izabela de Souza na primeira edição do Alcance, quando o programa ainda se chamava Ponte de Talentos. A trajetória dela só faz reforçar a crença de que o país precisa olhar com urgência para os jovens negros e garantir a eles acesso à educação de qualidade, tanto para contemplar seus sonhos individuais quanto para construir um Brasil mais justo, equalitário e desenvolvido. Dados recentes mostram, porém, que ainda há muito o que fazer. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2020 apenas 18% dos jovens negros de 18 a 24 anos estavam cursando uma universidade. Já entre os jovens brancos o número sobe para 36%. 

Quando se trata de pós-graduação, os índices escancaram ainda mais a desigualdade. De acordo com a Liga de Ciência Preta Brasileira, em 2020, dentre os alunos de pós-graduação, 2,7% são pretos, 12,7% são pardos, 2% são amarelos, menos de 0,5% é indígena, e 82,7% são brancos. Olhando para estes dados, a história da Izabela, que não só concluiu um mestrado, mas o fez numa universidade internacional considerada de excelência, é mesmo um ponto fora da curva – e é justamente isso o que o Alcance quer mudar. Para que o perfil dos brasileiros na pós-graduação seja mais diverso e mais representativo da nossa sociedade, o programa precisou se aprimorar, algo que foi feito, inclusive, com o trabalho da Izabela. Depois de  terminar o mestrado em Columbia, já atuando como consultora da Fundação Lemann, ela redesenhou o projeto para que ele de fato cumprisse com sua missão.

É verdade também que o olhar para a equidade racial como um tema central na Fundação Lemann já vinha se desenhando havia alguns anos. Em meados de 2012, quando cheguei à Fundação Lemann vinda do Rio Grande do Sul, lembro-me de perceber que nossos bolsistas que cursavam universidades internacionais eram quase sempre pessoas brancas e sobretudo da região sudeste. O desconforto com a falta de diversidade não era só meu. Estávamos todos ali percebendo que a Rede de Lideranças precisava incluir pessoas negras e também as de origens socioeconômicas desfavorecidas. Mas não se tratava apenas de abrir novas vagas. Era preciso comunicá-las a esses públicos e, principalmente, criar e sustentar condições para que pudessem participar. Afinal, pessoas incríveis de todo o país muitas vezes nem consideram trajetórias acadêmicas internacionais como uma oportunidade para si – a começar pela barreira da língua. No Brasil, falar inglês ou um segundo idioma (ainda) é (infelizmente) um marcador socioeconômico forte. Se a questão racial era nossa prioridade, precisávamos preparar os candidatos e oferecer, por exemplo, o curso de língua estrangeira.  

Em dez anos, aumentamos em quase 30% o número de pessoas negras na Rede de Lideranças Fundação Lemann. O planejamento que levaria a essa mudança começou em 2015, mas as mudanças vieram de fato com a Ponte de Talentos, iniciativa que em 2018 foi a primeira ação concreta e intencional a trazer para nossa Rede de Lideranças perspectivas de diversidade e inclusão. À época, 20 jovens foram selecionados, e os nove participantes que finalizaram o processo de aplicação obtiveram, com o programa de bolsas, a aprovação em pelo menos um curso de ensino superior de uma instituição de excelência. Na segunda edição, já sob o nome Alcance, trabalhamos em parceria com o instituto Identidades do Brasil (ID_BR), dedicado à aceleração da igualdade racial no país, para ter uma gestão especializada em questões étnico-raciais.  

Organizado em ciclos, o Alcance oferece programas preparatórios completos e personalizados que não se restringem apenas ao apoio técnico. Além do suporte para organizar documentos, por exemplo, o acolhimento é um aspecto central, por meio de mentorias, encontros e conversas com quem já passou pela mesma experiência. Se queremos mudar o perfil dos brasileiros que fazem pós-graduação no exterior, precisamos aprimorar nossas ferramentas e ampliar as oportunidades aos jovens negros e indígenas do país.

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